terça-feira, 20 de julho de 2010

Cola do Dragão

Por vezes, convém colocar as coisas nos termos que foram usados, e sobre os quais não restam dúvidas que foram usados, antes das designações actuais.
Já falámos no Estreito de Anian (hoje de Bering), é evidente a designação Monte Prasso (para o Cabo da Boa Esperança), que consta até no mapa de Cantino, e que (conforme reparou KT) é a designação usada na correspondência de D. João II com o Papa.
Falamos hoje da Cola do Dragão, depois Estreito de Magalhães, e para que fique claro, colocamos em mapa estes 3 pontos:

Fazemos a propósito de saudar a edição online da Biblioteca Nacional da obra de António Galvão (1490-1557), trata-se do

Ler António Galvão e o prefácio do seu contemporâneo Francisco de Sousa Tavares, é mais um passo para perceber o inexplicável... a razão de tanta omissão, ao longo de tanto tempo. A propósito deste assunto diz António Galvão (pág. 22):
No ano de 1428 diz que foi o Infante D. Pedro a Inglaterra, França, Alemanha, à Casa Santa, e a outras daquela banda, tornou por Itália, esteve em Roma, e Veneza, trouxe de lá um Mapamundo que tinha todo o âmbito da terra, e o Estreito de Magalhães se chamava "Cola do Dragão", o Cabo de Boa Esperança: "Fronteira de África", e que deste padrão se ajudara o Infante D. Henrique em seu descobrimento. Francisco de Sousa Tavares me disse que no ano de 1528 o Infante D. Fernando lhe mostrara um Mapa que se achara no Cartório de Alcobaça que havia mais de cento e vinte anos que era feito, o qual tinha toda a navegação da India, com o Cabo de Boa Esperança, como as de agora, se assim é isto, já em tempo passado era tanto como agora, ou mais, descoberto.
António Galvão diz muito mais... damos um exemplo:
No ano de 1353, em tempo do Imperador Frederico Barba Rossa, diz que foi ter a Lubres, cidade da Alemanha uma nau com certos Indios numa canoa, que são navios de remo, parecem-se aos tones de Cochim, porém esta canoa devia ser da Costa da Florida Bacalhaos, e aquela terra por estar na mesma altura da Alemanha, que os Tudescos ficaram espantados do tal navio e gente, por não saberem de onde eram, nem entenderem sua linguagem, nem terem notícia daquela terra, como agora, porque bem os podia ali levar o vento e água, como vemos que trazem as almadias de Quiloa, Moçambique, Sofala, e Ilha de Santa Elena, que é um ponto de terra que está naquele grão mar daquela Costa, e Cabo de Boa Esperança, tão separada.
Mas não dará todas as respostas...
Fala das origens em Tubal, Ibero, das navegações de gregos, fenícios, cartagineses, egípcios, chineses!
É especialmente notável ele referir viagens chinesas e romanas... completamente esquecidas!

É um herói português de proezas militares ímpares em Maluco que acaba desgraçado num Hospital durante 17 anos... (Maluco - relembramos ser uma zona que incluía as Ilhas Molucas...)
Não é acidental a conotação Maluco, pois isto é um jogo mental que é levado às últimas consequências.

Porquê?
Começamos pelo "Museu dos Coches", ou antes, citamos a Wikipedia sobre o tema Carruagem:
As carruagens surgiram, inicialmente no século XIII a.C, inventado pelos Hititas com uso militar e não civil, posteriormente as carruagens apareceram na Roma Antiga, no séc I a.C.. No entanto não circulavam na sua maioria dentro das cidades, pois o movimento era tanto que iriam gerar muitos problemas. Estas podiam apenas circular durante a noite dentro das cidades para transporte de mercadorias. Após a Queda do Império Romano do Ocidente a técnica de fazer carruagens desapareceu.
Só já no séc.XVI as carruagens começaram a ser utilizadas. As classes mais ricas eram as únicas que se podiam dar ao luxo de possuir um veículo destes. No séc. XVII as suspensões melhoraram e por conseguinte as carruagens também. 
Depois cito o próprio António Galvão:
Depois que os Romanos senhorearam a melhor parte do mundo se fizeram muitos, e notáveis descobrimentos, mas vieram os Godos, Mouros e outros Bárbaros, e destruiram tudo porque no ano 412 AD tomaram a cidade de Roma, (...)  
E no ano de 474 AD se perdeu o Império de Roma e depois disto vieram os Longobardos a Itália no qual tempo andavam os demónios tão soltos pela terra que tomaram a figura de Moisés, e os Judeus enganados foram muitos no mar afogados. E a seita Ariana prevalecia.
E Merlim em Inglaterra foi neste tempo. E no ano 611 AD foi Mahamede e os de sua seita que tomaram por força África e Espanha. 
Assim que segundo parece nestas idades todo o Mundo ardia, por onde dizem que esteve 400 anos tão apagado e escurecido que não ousava nenhum Povo andar de uma parte para outra, por mar, nem terra, tão grande abalo e mudança se fez em tudo que nenhuma cousa ficou em seu ser, e estado, assim Monarquias como Reinos, Senhorios e Religiões, Leis, Artes, Ciências, Navegações, escrituras que disso havia, foi tudo queimado, e consumido segundo consta porque os Godos eram tão cobiçosos da glória mundana, que quiseram começar em si outro Novo Mundo, e que do passado não houvesse nenhuma memória.

Tal como depois D. Sebastião, António Galvão é um herói que procura ir longe de mais... é claro que os portugueses já tinham ido longe de mais no Século XV.

Em nossa opinião, António Galvão tem uma visão parcialmente acertada, mas devemos ir ainda mais atrás para procurar a origem do problema... e não será difícil.
O dragão colou o seu rasto... no post anterior começámos no Império Romano, mas deveríamos ter recuado ainda um pouco mais!

Aquilo que cola o dragão é o seu apego histórico - é por aí que encontramos o registo. 
Tudo foi apagado? 
Qual o registo histórico elevado ao máximo expoente, e nunca beliscado pelos tempos conturbados?
  • Começamos pela Guerra de Tróia?
  • Começamos por Platão, pela "alegoria da caverna", pela Atlântida, ou pelo destino de Sócrates?
  • Começamos pelo discípulo de Aristóteles, Alexandre Magno e pela conquista ocultada da Hispania?
A herança greco-romana, elevada ao máximo expoente por Alexandre Magno, nunca foi beliscada!
Porquê?