sábado, 21 de abril de 2012

Obelisco de 7

No centro da Praça de São Pedro, no Vaticano... bem à vista de todos os olhares do mundo, ergue-se um obelisco. A história do obelisco é relacionada com os cristãos, no sentido em que Tácito associou a sua presença no meio do Circo de Nero, onde cristãos teriam sido executados (incluindo S. Pedro). Não havendo erro Tácito (suspeitas de autenticidade começadas por Voltaire), esta seria a razão da colocação de um antigo monumento pagão no meio do centro cristão... foi aliás algo complicado, já que a deslocação do obelisco em Roma envolveu grandes meios, conforme ilustra a imagem (em baixo, à direita):
 
Obelisco do Vaticano, após a sua deslocação em 1586 (imagem à direita)

O obelisco encontra-se limpo de inscrições hieroglíficas (restam inscrições de imperadores romanos), mas não estava assim à altura do seu transporte... Quem organizou o transporte, Domenico Fontana, a mando do Papa Sisto V, deixou ainda uma descrição do que estava inscrito no obelisco:
Desenho do obelisco do Vaticano no livro de Fontana, aquando da deslocação
Pilar de Seth
Há obeliscos egípcios em diversas capitais mundiais - Washington, Londres, Paris, Roma (ver Agulhas de Cleopatra)... mas no caso do Vaticano, a lembrança de ser egípcio foi completamente apagada. 
É compreensível isso, dado o contexto cristão, mas ao mesmo tempo encontramos um texto de Diego Haedo (Topografia e Historia Geral de Argel, 1608), que se baseia numa descrição de Flávio Josefo nas Antiguidades Judaicas (Séc. I):
And that their inventions might not be lost before they were sufficiently known, upon Adam's prediction that the world was to be destroyed at one time by the force of fire, and at another time by the violence and quantity of water, they made two pillars, 19 the one of brick, the other of stone: they inscribed their discoveries on them both, that in case the pillar of brick should be destroyed by the flood, the pillar of stone might remain, and exhibit those discoveries to mankind; and also inform them that there was another pillar of brick erected by them. Now this remains in the land of Siriad to this day.
Esta descrição de Josefo é sobre Seth, e a partir desse momento falou-se dos Pilares de Seth, onde estaria inscrito um legado escrito do filho de Adão e seus descendentes. Quando Josefo diz que o pilar de pedra se mantinha até aos seus dias na "terra de Siriad", geram-se várias confusões. Primeiro, a céptica, dos que gostem de observar uma contradição "entre o pilar ter resistido e ser visível após o dilúvio", depois a geográfica, já que "Siriad" confunde Egipto e Síria. As dúvidas de resistência do pilar ao dilúvio, parecem algo ridículas (após o recúo das águas, seria possível tentar reencontrar o pilar e reergue-lo), já que normalmente provêm de quem também considera que o dilúvio não foi mais que uma cheia de um rio porque na Bíblia se fala num aumento de água de apenas 15 cúbitos (menos de 7 metros)... que cobria todos os montes.

Já a confusão geográfica sobre a Síria, ou Siriad, é interessante pois adiciona-se à existência dos templos de Heliopolis - havia a Heliopolis de Baalbek (Síria/Líbano) e a Heliopolis egípcia, curiosamente associada a um pilar do faraó Sesostris I, ou Senusret, que tem sido associado a Seti I e o liga directamente ao deus Set

 
Pilar de Set I ou Sesostris (Heliopolis, Egipto... actual e no Séc. XIX)

É provável que Josefo se referisse a este obelisco, enquanto o Pilar de Seth, filho de Adão. No entanto, convém dizer que o Obelisco do Vaticano terá também como origem a mesma Heliopolis (egípcia)...
Pode conjecturar-se que Josefo mencionava o Obelisco do Vaticano, ainda que o seu deslocamento para Roma seja contemporâneo a Josefo, e nada de concreto aponte nesse sentido... excepto que seria o mais importante obelisco a deslocar para o centro do Vaticano, a acreditar na sua mítica origem em Seth ou Adão.

O que diz Haedo?
Nuestro sapientissimo padre Adan (como Iosepho autor gravissimo dexó escrito) viendo que sus nietos y descendientes (que ya eran multiplicados en gran numero) començavam apartar-se del conocimiento verdadero, y fiel servicio de Dios, que el les enseñara ansi, como de Dios fuera enseñado: y temideo como hombre tan prudente, que siendo los pensamientos, y sentidos de los hõbres tan inclinados al mal, por discurso de algun tiempo, entre ellos se acabasse de perder todo el conocimiento de Dios: acordo de hazer como hizo, para remediar este mal, dos muy grandes, y muy altas colunas: una de ladrillo, y otra de piedra marmol rezio. De manera que el tiempo consumidor de todas cosas, o nunca o tarde las consumirsse: y en ellas de su mano entallo, y escrivio la doctrina de la Fé, y conocimiento de Dios, y la manera de su culto, y veneracion, conque de los hombres avia de ser honrado e venerado: y el mysterio de la venida del Messias: y juntamente muchas otras cosas de philosofia, astrologia, movimiento de los ciclos, curso de los planetas, y durasiõ de los tiempos y meses del año.
Y estas dos colunas ansi escritas, y entalladas (dize) que las puso en alto, para que todos las mirassen, y como eh unos libros pudiessen todos ler en ellas: de manera que fuesse (como el otro dezia de los libros) unos mudos, maestros q sin estruendo de bozes, advirtissen a los hõbres lo que devian de crer, y hazer en todo tiempo, y hedad: de manera que podemos dezir y afirmar con razon, que fueron estos los primeros libros de mundo; porq importa poco fuessen de piedra, y bronze, o de cortezas de Arboles y hojas, o de pergamino y papel, como despues por discurso de tiempo acostumbraron hazer los hombres.
(...)
... ou seja, citando Josefo, vai um pouco mais longe e diz que o "livro" escrito sob forma de pilar remontaria directamente a Adão, e preveria directamente a vinda do Messias, para além de conter considerações filosóficas e astronómicas. Juntar-se-ia a prática e conversação dos Santos Patriarcas, que por linha e sucessão directa herdaram de Adão e do terceiro filho Seth, listando depois Noé, Sem, Arphaxat, Chaynã, Sala, Heber, Ragau, Saruch, Nachor, Thare, Abraão, Isaac, Jacob e seus filhos.
(...) porque muchos tiempos, y por muchas edades se conservo el conocimiento de Dios en el mundo y q entre muchas naciones de Oriente, como Assírios, Chaldeos, Arabios, Egypcios, y otrostales quedasen despues perdido, muchas reliquias de buena y santa dotrina: y de todas las artes y ciencias liberales: de las quales naciones, deprendiendo los Griegos todo esto, por el discurso de tiempo (porque muchos deles, como Solon, Licurgo, Archita y Platon passaron en aquellas partes), y ornandolo, y poliendolo con artificiosas palabras, y añadienno algun poco de su casa, lo vienderon al mundo por suyo.
Explicitamente, Haedo denuncia aqui que o conhecimento grego (nomeadamente de Solon e Platão) teria bebido directamente de fontes primevas, e não reportava devidamente essa origem antiga.
Não é muito diferente do que sugerimos num texto anterior (Teogonias-3), porém aí era colocado o centro dos dois pólos na babilónia/caldeia... e de facto, a deslocação do centro de influência para a egípcia Heliópolis faz mais sentido, já que são conhecidas as boas relações greco-egípcias, e nem será surpresa que os gregos tenham sido herdeiros do conhecimento egípcio, já que a mistura que ocorre com a dinastia Ptolomaica trata como gregos uma multiplicidade de legados egípcios, e por exemplo Eratóstenes, Euclides, Ptolomeu, são tidos como gregos, bem como a generalidade do conhecimento vindo da egípcia Alexandria. A razão disto está muito ligada aos textos serem escritos em grego e que, com a mesma ligeireza, assumir-se-ia que todo o conhecimento actual, escrito em inglês, seria de origem americana ou inglesa.

Sete, Seti, Seth
Na Enéade divina de Heliópolis é natural que Seth fosse considerado o sétimo deus, depois dos cinco primeiros deuses cósmicos, a que se seguia a primeira geração: Isis, Seth e Osiris, e depois Horus.
Reparamos na ligação da apresentação de Isis alada e no estandarte aqueménida de Ciro:
 

As asas de Isis voam para o pavilhão aqueménida, com o detalhe suplementar de termos ao invés de Isis, um falcão, o símbolo de Hórus, seu filho. A relação entre Isis e Hórus surge ainda como mais uma manifestação de maternidade apropriada para o postal sobre o Puto de Vénus
Isis e Hórus, aqui a ligação maternal

Na mitologia ibérica de Tubal faz-se referência a reis Osiris-Júpiter e Hórus-Hércules Líbico.
Estes personagens seriam reis do Egipto que empreendem uma questa imperial contra a tirania, chegando à Ibéria para expulsar o tirano Gerião e os filhos Lomínios. Na versão ibérica Osíris mata Gerião, mas acaba morto pelos Lomínios e é vingado pelo filho Hórus. Na versão egípcia, Osíris é morto pelo irmão Seth, mas há também vingança do filho Hórus que, com ajuda da mãe Isis, acaba por destronar o tio Seth.

Se atendermos a que na Enéade egípcia o papel de Deus criador é desempenhado por Atum-Rá, a luta entre Osiris e Seth, filhos de Geb (deus da Terra, associado à Serpente), toma aspectos da rivalidade entre Abel e Caim, no sentido em que também Abel, o preferido, é morto por Caim.
Curiosamente, o terceiro filho de Adão, toma o nome Seth... e será deste Seth que surge a sucessão hebraica. Assim, o nome Seth aparece ligado ao mito hebraico pelo lado "bom", e ao mito egípcio pelo lado "mau". Não será tanto assim, já que o mesmo Seth é identificado a Tot, enquanto filho ou enquanto sua manifestação. Ora, acaba por ser Tot/Seth que tornará vivo o morto Osíris, e curará as feridas de Hórus, que substitui o Olho esquerdo (lunar) perdido no combate com Seth por uma serpente no chapéu (que seria usada pelos faraós). Como detalhe adicional esse olho de Hórus, estaria ligado a aplicações médicas...

 
Seguindo uma notável observação na Wikipedia, a ligação do olho de Hórus à
Medicina era representada pelo grafismo do R (semelhante a parte do olho),
mas deveria ser cortado... lê-se RX e fala-se só em conexões ao símbolo de Júpiter?

Pergunto - por que não reparar que a conexão directa da abreviatura "RX", para o olho de Hórus, é exactamente a abreviatura de "Raios X" ??
A escolha de um falcão como símbolo de Hórus, ao invés de uma habitual águia, à semelhança do que fará depois o imperador Ciro, é algo que merece alguma reflexão. Há algumas diferenças, no que diz respeito à velocidade, mas parece claro que é a acutilância da visão do falcão que marca a escolha de Hórus.
A "prenda" de Tot (também associado a Hermes) é literalmente uma visão RX. É natural que o significado RX seja uma "graça" do misticismo moderno, mas o ocultismo caminha lado a lado com a ocultação, a ocultação do conhecimento passado...

As colunas
Aparentemente estavam duas colunas em Heliopolis, e um site interessante, com ligações sobre este assunto encontra-se neste link... em particular apresenta um modelo do que teria sido Heliopolis:
Obeliscos em Heliopolis - modelo no Brooklyn Museum (NY)

O mesmo site apresenta uma "bizarra" ligação a Saturno... fantasmas pavlovianos, com  uma "ligação a Satan". É sempre engraçado ver coisas destas, ao mesmo tempo que deveriam saber que "Saturday", o dia de Saturno, é também Sabbath, o dia de Deus judaico. Mas aqui é ainda mais engraçado, pois a ligação a Saturno é feita pelo Sol... e "Sunday", o dia do Sol, é o dia de Deus cristão. 
Quando se vê o Sol, ou a luz, como algo mau... só pode corresponder a quem vê nas trevas algo bom para si!

A existência de duas colunas em Heliópolis, na "Siriad" egípcia... provavelmente uma cópia da original síria, com importação de monumentos, leva-nos assim às afirmações de Josefo e Haedo, sobre as colunas de Seth, onde se liga a coluna do Vaticano.
Curiosamente, foi-me agora indicado um texto maçon que dá conta das duas colunas, com o conhecimento pré-diluviano, que teriam sido descobertas por Hermes (filósofo) e Pitágoras (matemático):
No antigo manuscrito maçônico Cooke, (cerca de 1.400) da Biblioteca Britânica, lê-se nos parágrafos 281-326 que toda a sabedoria antediluviana foi escrita em duas grandes colunas. Depois do dilúvio de Noé, uma delas foi descoberta por Pitágoras, a outra por Hermes, o Filósofo, que se dedicaram a ensinar os textos ali gravados. Isto se encontra em perfeita concordância com o testemunhado por uma lenda egípcia, da qual já dava conta Manethon, segundo o mesmo Cooke, vinculada também com Hermes. 
É óbvio que essas colunas, ou obeliscos, semelhantes aos pilares J. e B., são as que sustentam o templo maçônico e, ao mesmo tempo, permitem o acesso ao mesmo e configuram os dois grandes afluentes sapienciais que nutrirão a Ordem: o hermetismo, que assegurará o amparo do deus através da Filosofia, quer dizer do Conhecimento, e o pitagorismo, que dará os elementos aritméticos e geométricos necessários, que reclama o simbolismo construtivo; deve-se considerar que ambas as correntes são direta ou indiretamente de origem egípcia. Igualmente que essas duas colunas, são as pernas da Mãe loja, pelas quais é parido o Neófito, quer dizer pela sabedoria de Hermes, o grande iniciador, e por Pitágoras, o instrutor gnóstico.  
in TRADIÇÃO HERMÉTICA E MAÇONARIA (1) de FEDERICO GONZALEZ
 (link cafc)

É claro que se sabe que a tradição maçónica é hermética... algo que contradiz a figura de Hermes, afinal o deus mensageiro. Felizmente este texto de Gonzalez parece seguir na direcção mais mensageira e menos hermética! 

domingo, 8 de abril de 2012

Era dos Cobres

Os retratos de Fayum ilustram claramente o conceito de regressão civilizacional.
É sempre revelador olhar para o naturalismo numa pintura do período Romano-Egípcio, como no caso desta criança de Fayum (Egipto, Séc. I a.C):
que tem uma precisão quase fotográfica. Depois basta lembrar todos os retratos toscos (por exemplo na tapeçaria de Bayeux), ao nível de pinturas de crianças na escola primária, que caracterizaram a época medieval (ocidental e oriental) até ao Renascimento.
Ou seja, a pintores que dominavam as cores e a luz, de forma perfeita, na época romana (ver ainda os frescos de Pompeia ou Herculano), sucederam gerações dos mais inábeis pintores que há registo, fazendo parecer qualquer homem das cavernas como um sobredotado desenhador.

O aspecto educacional associado esquece este pequeno detalhe de regressão na técnica de pintura, e ensina uma lenta evolução que, ao fim de quase dois milénios atingiria uma técnica retratista, ou seja - levaria de volta ao ponto de partida dos retratos de Fayum. Assim, como dos gregos ou romanos restaram poucos registos contraditórios, sempre que se olhar para uma pintura ou escultura demasiado realista tender-se-à a vê-la como coisa recente, com poucos séculos e nunca como uma pintura milenar.

A ideia criada e ensinada, é a de que houve uma lenta evolução, semelhante à evolução que uma criança tem no seu conhecimento. Como essa ideia é transmitida na juventude, quando as crianças estão num processo evolutivo, a ideia de que a humanidade passou pelo mesmo caminho evolutivo é apelativa e facilmente apreendida pelos jovens petizes. Os legados greco-romanos são vistos como "excepções que confirmam a regra", servindo para apenas elogiar o prodígio pontual desses antepassados.

Poderá pensar-se que foi um problema com a pintura... mas é claro que não foi! Foi um problema transversal que afectou todo o conhecimento, desde as artes às ciências e tecnologia (relembramos a máquina de Anticitera e a pilha de Bagdade). 
A humanidade foi infantilizada regredindo para um pensamento primário, recorrendo a ensino dogmático, primeiro pela argumentação "magister dixit" - Idade Média, depois pela fama/prestígio - Idade Moderna e actual. Sofreu uma amnésia ou uma lobotomia... conduzida pela Invasão dos Godos e dos Árabes, que de povos "bárbaros" (alguns vindos literalmente da Barbária) passaram a potências dominantes que instalaram o seu referencial de subdesenvolvimento como referencial do futuro não-desenvolvimento. Do ponto de vista cultural e científico, estes povos permaneceram com os valores e superstições que tinham antes, como se tivessem feito um compromisso assumido de regressão universal. Conforme diz Galvão, toda a memória e legado anterior foi destruído, como se tivessem inveja do desenvolvimento dos povos que conquistavam.
Porém é demasiado redutor pensar que se perdia deliberadamente conhecimento, apenas por inveja... e afinal os povos que conquistavam, sob domínio Romano, já estavam também eles condicionados no seu progresso. O condicionamento tem origem anterior...

A história foi bem coberta, desde a Idade do Cobre. A complexidade de manufactura dos metais não está directamente ligada ao necessário desenvolvimento tecnológico para que tal acontecesse. É pretendido que sociedades rudimentares conseguissem produzir metal para armamento em massa, ao mesmo tempo que não seriam capazes de menores prodígios para conveniência do seu uso civil... por exemplo a simples orientação por mapas. Na Era do Cobre cobre-se um desenvolvimento tecnológico, do qual restam apenas alguns prodígios megalíticos. 

Parte do Cobrimento só seria levantado pelos Descobrimentos... autorizados!
Os cobres... as moedas, ajudaram e ajudam a consolidar o encobrimento, de forma mais inteligente, aceitando um descobrimento controlado. Iniciou-se a Era dos Cobres. Na dúvida, ainda alguém falou em Achamento... como no Achamento do Brasil! Podiam achar que achavam algo de novo, e por isso o achamento era um conceito bem mais fraco que o descobrimento. Alguns achamentos têm direito a ser descobertos, outros mantêm-se cobertos a troco de cobres.

Na Histoire des Terres Australes (Liv, XVII, Ch. XI) em 1764 diz-se:
On peut aussi attribuer, en quelque façon, à une Politique intéressée tant de Relations absurdes & ridicules qu'on a données de différentes parties de notre Globe, & surtout du Continent Austral, en ce qu'une connaissance plus parfaite de ces Pays ne s'accorderoit vraisemblablement point avec l'interêt de certains Corps ou de certains Particuliers, qui ont un grand crédit.
Este é o primeiro texto que encontro em que se denuncia a estupidez da não exploração do "Continente Austral"... ou seja da Austrália, por interesse de "certos Corpos ou certos Particulares"!
É aliás mais ridículo, porque nesse texto há até uma necessidade de especificar em que consiste esse continente, limitando a possível localização da Austrália. Essa estupidez será associada directamente à política das Companhias das Índias... e já aqui falámos de como essa companhia funcionaria como uma "boa companhia" para evitar "más companhias". O texto fala mais especificamente da Companhia das Índias Holandesas, mas sabemos que havia uma "companhia da índias" com monopólio em cada "potência descobridora":
(à excepção dos originais, Portugal+Espanha, as restantes companhias foram instaladas os reinos que saíram vencedores da Guerra dos Trinta Anos e que a partir do Tratado de Vestfália definiram o mundo moderno)

O texto francês alerta para os perigos do seu monopólio que se verificavam já também em França em 1764. Dois anos mais tarde, Cook inicia a sua viagem, e a Companhia Francesa fica fora desse jogo... e acaba extinta  por decreto real. Porém, como já se nota nesse texto, é estranha a atitude da Companhia Holandesa, que limitava de tal forma a actuação dos holandeses que prejudicava o próprio país(*). A atitude era tanto mais estranha, pois já se sabia que o continente era praticamente desabitado, havia terrenos eram férteis e suspeitava-se que as anunciadas tribos assustadoras pouco mais serviam do que de fábula para amedrontar exploradores.

O poder do Cobrimento saiu de imposição medieval de cariz religioso, ligado a um catolicismo fundamentalista, e ganhou nova expressão como consequência moderna dos interesses interligados das diversas Companhias das Índias. O encobrimento religioso deu lugar e forma a um encobrimento económico, justificado por aparentes interesses financeiros dos monopólios das "companhias das índias".
O metal continuava a ser o Cobre... os cobres dados aos mercadores justificavam o encobrimento dos descobrimentos. O controlo quase total exercido pela religião em épocas medievais dava lugar ao controlo quase total exercido pelo comércio oligárquico das companhias das índias...

As Companhias das Índias eram alvos visíveis e a revolta do chá em Boston, contra esse monopólio, prelúdio da Revolução Americana, mostrava isso mesmo. Por isso estas Companhias tornaram-se mais sofisticadas, as suas lojas tomaram forma secreta, e os nomes "Grande Oriente" saíram das Companhias das Índias estabelecendo-se em lojas mais selectas e discretas.

Após a derrota de Napoleão e do Congresso de Viena, em 1815, a nova ordem mundial passaria a estrutura económica para a forma Bolsista. Assim, no início do Séc. XIX consolida-se essa nova estrutura económica que irá dominar por completo a sociedade nos próximos 200 anos e na actualidade. A evolução das Companhias das Índias para a forma de Bolsas de Valores é notória (Bolsas de Valores de Londres, Paris, Nova Iorque...) passando a controlar todos os produtos e não apenas o comércio de importação das colónias.
No fundo, todo o mundo passaria a uma gigantesca Índia e assim controlado como uma grande colónia.
Conforme já dizia o Vice-Rei Francisco de Almeida, era mais útil ter governos locais conduzidos por marajás colaborantes do que empreender numa efectiva conquista. A política subserviente de alguns líderes de nações europeias transformou-os em simples marajás colaborantes duma Índia alargada a todo o mundo.

Com o mercado bolsista dá-se a primeira efectivação de acordos de globalização, em que as nações comprometem a sua independência a entidades financeiras ao assumir uma completa dependência a um comércio controlado essencialmente por grandes entidades financeiras e bancárias. O comércio globalizado, passa a ser exercido sob controlo de organizações transnacionais, como é o caso da OMC - Organização Mundial do Comércio (ou do FMI). As desregulações e impunidades permitem uma actuação sem-rosto e sem-fronteiras, controlando todos os "cobres". A Era dos Cobres implantava-se, cobrando o encobrimento.


(*) é citado Jean de Wit: "Quand la Compagnie des Indes Orientales, dit-il, a été à un certain degré de richesses & de puissance, son intéret est devenu contraire à celui de son Pays" (...)
A França, com o fim da sua Companhia das Índias vê também a sua situação financeira aproximar-se da bancarrota. 
Luís XV terá dito "aprés-moi, le déluge" - e ao filho Luis XVI deixa um caos financeiro, uma fonte para o dilúvio da Revolução Francesa... É interessante reparar no contraste com o esplendor do seu pai, Luis XIV, o Rei Sol, que iniciara o seu mandato justamente com a constituição desta Companhia.


(reeditado em 9/04/2012)

domingo, 1 de abril de 2012

Laracha, Lixo, Loucos, Maluco

Há uma obra que já fiz aqui referência:
Jornada de África, de Jerónimo de Mendonça (1607)

e talvez mereça uma menção (que nem sei bem como adjectivar) haver uma obra homónima, de Manuel Alegre, o nosso contemporâneo poeta, político e assumido maçon. Apesar de mencionar a obra original, a usurpação do mesmo título "Jornada de África", por Manuel Alegre, pouco mais parece servir do que contribuir para uma conveniente confusão.

A obra de Jerónimo de Mendonça relata a expedição de D. Sebastião a Alcácer-Quibir, e surge em pleno domínio de Filipe II de Espanha. Portanto todo o enquadramento é condicionado por uma escrita aparentemente subserviente a esse domínio filipino, tendo a necessária consciência de qualquer outra abordagem não seria autorizada.

Tornou-se comum usar a expressão "Larachas" para designar palavras sem sentido, mas ao que pude constatar esta expressão só se tornou habitual em textos já na segunda metade do Séc. XIX.
Diz Jerónimo de Mendonça:
           "porque de uma maneira ou doutra melhorava no partido; pois tomando el Rey Dom Sebastião Larache segurava os Reynos de Espanha, e morrendo na demanda ficava seu herdeiro"

... é claro que esta confortável posição de Filipe II não é denunciada por Mendonça, mas sim repudiada por ele, tentando defender acusações que circulavam. Uma maneira sagaz de dizer o que não podia ser dito...

Larache, ou Laracha (também aparece assim designada), aparecia como o destino estratégico de conquista na jornada de África de D. Sebastião. 
O nome Quibir associado à batalha acaba por substituir um verdadeiro objectivo anunciado - Laracha!
Larache - gravura de J. Ogilvy (1670)

Será elucidativo associar-se depois à palavra Laracha um significado distinto, de índole jocosa.
Esta suposta coincidência... ou que quer que seja, não está isolada. 
Já mencionámos várias vezes o problema Maluco... das ilhas Malucas, depois designadas Molucas.
Para além de serem um problema no anti-meridiano (prometidas como dote a Sebastião, tivesse ele querido o casamento espanhol), as Malucas eram a essência da especiaria!
Acresce que, como sabemos, o Mulei inimigo de Sebastião era também designado Mulei Moluco...

Podemos ignorar isto, evitar a expressão "Malucos" e passar a "Loucos"...
... curiosamente isto não resolve bem o problema porque a batalha dá-se ao pé do Rio Loukos.

Às margens deste Rio Loukos, encontravam-se as ruínas de Lixo (cidade antiga que antecedeu Laracha):
Lixo - ruínas, Loucos - rio

Para dia 1 de Abril, parece-me bem maluca esta Laracha, que veio de Lixo, e é claro - rio de Loucos.
Não rio da laracha, mas rio de loucos fazendo lixo.

De origem latina, o Lixo tem mais raiz no lixar, traduzido directamente de Queimar... é lixado, mas já a palavra Lixo enquanto "depósito de desperdício" parece-me ter entrado apenas nos nossos textos posteriormente.

Ainda indo aos tempos em que o "calendário de Rómulo" começava em Abril, sendo depois substituído pelo "calendário de César" que passou a começar em Janeiro, honrando Janos das duas faces, parece que esta cidade de Lixo era a última cidade habitável admitida, a partir dali o resto seria... lixo, ou talvez ficassem lixados... queimados!

Minas no Séc. XVI
O texto de Jerónimo de Mendonça fala de minas...
Que o texto de Manuel Alegre pudesse falar das minas na guerra de África... é algo normal e trivial.
Porém, de que minas fala Mendonça?... Não é certamente das Fortalezas das Minas.
Vejamos o texto, logo no final do prólogo "ao leitor":

       E quando trata del Rey Phelippe nosso senhor segundo deste nome, na Cidade de Lisboa diz, que correu nela dois grandes perigos de vida, porque duas vezes foram descobertas minas que os portugueses fizeram nos paços Reais, e na igreja onde costumava ouvir Missa, e se isto senão descobrira, fora el Rey arruinado, ou nos paços, ou na igreja, e que os Autores desta maldade foram gravemente castigados (...)

Se isto não é uma descrição de uma tentativa de atentado, com minas explosivas, colocadas para serem detonadas na presença de Filipe II, não sei que outra laracha pode ser inventada para justificar este texto.

Portanto trata-se de um relato de minas explosivas, com detonamento programado, e seja de que forma fosse, é um claro sinal de que a tecnologia era suficientemente sofisticada para ser dissimulada e usada num atentado. Para além de raras experiências e relatos chineses, até ao Séc. XIX não há propriamente registo da utilização de minas explosivas, especialmente com o intuito de atentado.

Se esta iniciativa portuguesa tinha origem numa ideia chinesa, ou não, pouco importa, pois este é um dos raros casos em que compreendemos que houvesse alguma necessidade prática em evitar a divulgação destas ideias literalmente explosivas.

Não deixa de ser curioso que a palavra Mina, originalmente ligada ao minério, tanto se vai associar depois à riqueza do minério como ao explosivo... no fundo, a uma riqueza explosiva.