sexta-feira, 31 de maio de 2013

Abertura de Sancho

7) Sanchoniato - a mitologia fenícia
Há poucas referências a Sanchoniato, um historiador fenício, mas foi alvo de atenção no Séc. XIX, e nos livros "Ancient Fragments..." de Isaac Cory, que já mencionámos e também nas obras de G. Stanley Faber, por exemplo "A dissertation on the mysteries of the Cabiri", trata-se de um autor crucial.
Porquê? Porque seria basicamente uma das únicas referências que existiam à época que não surgiam da tradição judaico-cristã ou greco-romana (outra seria a de Beroso, sobre os assírios-caldeus, de que já falámos). A obra tinha sido traduzida para grego por Philo de Byblos, e chegado mais uma vez através de Eusébio de Cesaréia.

Stanley Faber tem um esquema simplificado das divindades que Sanchoniato refere na sua cosmogonia.
Começa por fazer um paralelismo com a descrição hebraica/mosaica (de Moisés), desde o primeiro homem:
Paralelo entre os primeiros homens segundo Sanconiato e Moisés (visto por Faber)

Sanchoniato atribui ao vento (Colpias) e à noite (Baau) a origem de dois mortais - Eon e Protogonos.
Acrescenta que Eon (~Eva) descobriu que poderia comer frutos das árvores. 
Destes dois nasceriam Genus e Genea que viviam na Fenícia (como não poderia deixar de ser...) e que rogavam ao Sol (Beelsamin, similar a Zeus) para terminar as secas.
A terceira geração tinha Fos, Pyr e Flox que descobriram a produção de fogo esfregando paus, e ensinaram os homens (... faltaria perguntar é quem eram afinal essoutros?).
Estes tiveram filhos muito altos, a quem foram dados os nomes de montanhas das redondezas - Cassius, Libano, Antilibano e Brathu.
Seguem-se Memrumus, Usous e Hypsuranius, que Sanchoniato detalha serem filhos dos anteriores e de suas mães... explicando isso pela escassez de população. Acrescenta que Hypsuranius habitava Tiro e inventara o papiro, tendo ficado inimigo do irmão Usous, que inventara vestes de pele... Esse mesmo Usous teria sido o primeiro a aventurar-se no mar com um tronco partido numa tempestade. Por isso erigiu dois pilares ao fogo e ao vento... e os descendentes passaram a venerar os antepassados nesses pilares.
Passadas gerações, dos descendentes de Hypsuranius surgiriam Agreus e Halieus, inventores de artes de caça e pesca. Desses surgiriam Crisor, identificado a Hefesto, que descobrira e aprendera a trabalhar o ferro. Em particular fazia anzóis, e teria sido o primeiro navegador. Por isso teria adorado como deus, de nome Diamiquio. Os irmãos seriam os primeiros construtores de muros com tijolos...
Da sua descendência nasceria Technites e Geinus (inventando azulejos), e desta geração surgiria ainda Agrus, que viria a ser adorado como o maior dos Deuses na Fenícia. As casas passaram a ter pórticos e criptas, e iniciou-se a caça com cães, com Aleta e Titan. 
Daqui descendem Aminos e Magos, que ensinaram os homens a construir vilas e a cuidar de rebanhos, depois Misor e Sydic que usaram o sal (preservação de comida).

O que vemos até aqui é uma plausível descrição da sequência de descobertas/invenções humanas associada a alguns nomes fenícios. Porém, de Misor descende Taautus que tem um significado mais importante, porque o associa ao egípcio Thoth e ao grego Hermes. Já pelo lado de Sydyc vai associar os Cabiri ou Samotrácios, que teriam sido os primeiros a construir um barco completo! 
Talvez por isso, Stanley Faber vai associar essa construção à separação do dilúvio.
No entanto, Sanchoniato não se refere a nenhum dilúvio... e nisto difere profundamente da tradição assíria e hebraica. Convém aliás notar que ao mito do dilúvio de Ogyges, nos gregos, também não era dado especial relevo.

A partir daqui vai haver alguma semelhança com a descrição grega, pelo que Stanley Faber vai passar para essa comparação. Sanchoniato refere-se à descoberta de ervas medicinais e da cura de venenos, falando de  Elioun (Hypsistus) e da mulher Beruth (de onde virá o nome Beirute), que geraram Autocton (Úrano, Céu) e Ge (Terra), nomes dados pela sua beleza. O pai era o regente e teria sido morto num confronto com bestas selvagens, e o filho Urano teria recebido o trono e feito rainha a irmã Ge.
Sobre a geração seguinte, Faber esquematiza numa tabela:
Esquema das gerações fenícias de Sanconiato (por Faber)

Interessa especialmente notar que há nomes que são iguais às da mitologia grega clássica, de Hesíodo, como sejam Úrano, Cronos (Ilus), e Belus (Bal) será identificado a Júpiter/Zeus.
Porém, a perspectiva de Sanchoniato é completamente diferente da de Hesíodo.
Este Sancho "pensa" de outra forma... os deuses foram homens, elevados depois ao estatuto divino.

Nalguns aspectos há analogias. É dito que este Urano também teria tentado eliminar os filhos, e que Cronos se rebelaria contra o pai, com a ajuda de Taautus-Hermes, que ainda seria contemporâneo.
Seria nesta altura que Cronos teria fundado Biblos, com uma muralha que a cercaria, e expulsaria o irmão Atlas para uma caverna. Os aliados de Cronos seriam chamados Eloi, pelo seu nome fenício ser Ilus (ou Il, El). 
O pai continuaria a opor-se-lhe, e por outro lado Cronos decapitaria os filhos por suspeita de rebelião, acabando também por eliminar o pai, cujo sangue seria depois consagrado às fontes e rios.
A meia-irmã de Cronos, Astarte, seria sua consorte e identificada a Afrodite. Ela tomaria a cabeça de um boi como símbolo de Tiro, juntamente com um meteoro que havia recolhido.
Cronos, tomaria ainda a Ática grega e esse seria o reino de Atena (Minerva), sua filha.

Há um aspecto interessante em que Cronos se circuncisa em homenagem do pai, obrigando os aliados a fazer o mesmo. Finalmente, esta descrição de Sanchoniato (que é mais detalhada) termina com a atribuição do Egipto a Taautus por Cronos, que adopta um símbolo de 4 olhos, à frente e atrás da cabeça!
Por outro lado, Taautus (Thoth) tomaria como símbolo a serpente, ao representar um espírito que se move sem membros, podendo ter várias formas, inclusivé espiral, pela sua longevidade e capacidade renovadora (mudança de pele, e consumir-se no final de vida).

Falta só falar do aspecto da cosmogonia fenícia de Taautus.
Tudo começaria com uma conexão entre o Caos e o Vento. Esta união seria simbolizada por um ovo rodeado por uma serpente, e dela surgiria a lama inicial Mot (ou Ilus), de onde se formaria o universo. Seria do som do trovão que distinguiria os animais inteligentes. Taautus criticaria os homens por adorarem e fazerem sacrifícios a deuses antropomórficos - o que ele atribuía à estreiteza das suas mentes.

A serpente que rodeia o ovo (o primeiro) entre outros símbolos 
do livro "The Origin of Pagan Idolatry" (Stanley Faber, 1816)


Apesar das semelhanças, notamos uma grande diferença conceptual entre fenícios e os restantes povos.
Os fenícios seriam praticamente ateus. A explicação de Taautus é um esboço de explicação natural, como terão depois alguns filósofos gregos.

8) Conjugações
Há algumas conjugações que podem ser feitas com o texto anterior sobre Beroso.
O nome Dagon (irmão de Cronos) foi também associado a Oanes, o anedoto, o homem-peixe dos assírios, e por outro lado Belus (filho de Cronos) seria venerado na Babilónia. Poderíamos ver aqui uma possível influência, ou interferência fenícia, na formação da mitologia assíria-caldeia. 

Se por um lado há muitas diferenças, por outro lado há bastantes semelhanças nas formações dos mitos.
Isaac Cody concorda com Stanley Faber, citando-o desta forma:
                     - (...) as to render untenable every other hypothesis than this: "that they must all have originated from some common source" 
Portanto estes estudiosos partilhavam da ideia que os pontos comuns sugeriam que todos os mitos teriam partido da mesma raiz comum, e davam explicações possíveis:
- todas as nações tinham concordado pacificamente numa mesma fonte, ou esta lhes tinha sido imposta, ou ainda que todas as nações tinham vindo de uma cultura comum.
Esta última hipótese levava naturalmente ao mito da Torre de Babel... a cultura seria comum, mas depois teria sido alterada pelo fado de cada civilização.

Stanley Faber vai um pouco mais longe e afirma que os eventos que levaram à queda da Torre de Babel na planície de Shinar teriam definido um carácter marcante na evolução da humanidade, e que a "família poderosa e guerreira" que teria ganho vantagem sobre os seus irmãos, nunca teria deixado de exercer a superioridade até ao presente:
(...) In short, the events, which occurred in the plain of Shinar, have stamped a character upon the whole mass of mankind that remains vividly impressed even to modern times. The powerful and martial family, that once obtained a decided preeminence of their bethren, have never down to the present hour, ceased with a strong hand to vindicate their superiority.
No fundo, isto seria a tradicional teoria da sequência de impérios ou monarquias, reduzindo-a a um único império definido em Babel, por Nimrod, ou seja também, com outros nomes, o simbolizado gigante caçador Órion (ou Orionte), Nembroth ou Amraphal, já identificado a Hamurabi.

Isaac Cody procura estabelecer uma linha semelhante e vê um ponto comum na designação "Cita", que se aplicaria a uma boa parte de povos em diversas nações. Ora o nome "citas" é em grego Σκύθης ou Skythes, que se poderia ler entre nós como "Escutes" em vez de Citas. E é claro que isto lembra algo (não as SCUTS, nem os Escutas... mas enfim há sempre escutas), lembra os Escotos, ou seja o Escoceses, que tanto se orgulhavam da sua ascendência, que remontaria afinal à nobreza Cita. Não é preciso falar mais de ritos escoceses, que isso levar-nos-ia a ter que partir pedra, e ainda estamos algo livres dessas pedreiras.

Como temos vindo a referir, e é aqui claro nestes autores, parece haver uma manutenção da estrutura de poder desde o tempo mítico da Torre de Babel. A sua visibilidade é apenas aparente... usa as estruturas de poder visíveis, mas a sua acção foi sempre dissimulada. Parece ter visado mais influenciar o curso dos acontecimentos do que ser um dos seus protagonistas registados - guardará os registos, certamente, em colecções privadas.
Pouco interessa o folclore, grande parte da análise está feita, entretemo-nos agora apenas com os detalhes.
Sobre o que interessa, e que limita exactamente as coisas, disso falaremos noutra altura.


segunda-feira, 27 de maio de 2013

Cobertura de Anedotos

Nota de Rodopé (bis)
Começamos com mais uma "Nota de Rodopé"... 
Já tínhamos falado de Rodopé, a propósito da fábulas de Esopo e de Perrault. 

Faltou-nos uma história de "sapatinho rosa-dourado"... de uma escrava grega, que apreciada pelo seu senhor recebe os tais sapatinhos, causando inveja nas outras escravas... que a sobrecarregam de trabalho!
Acontece que o faraó Amásis II convida todos para uma festa em Mênfis, mas a pobre escrava não pode ir... é sobrecarregada com trabalho pelas outras invejosas! 
Lembra uma história de gata borralheira... e enquanto a festa decorre em Mênfis (só faltaria ter a actuação de algum Elvis...), a pobre escrava, ao lavar a roupa, molha os chinelos. 
Pior, quando os deixa ao sol a secar, um pássaro pega num e foge com ele.
Porém, o pássaro era afinal o deus Hórus, que deixa cair o chinelo em frente a Amásis II.
Tomando tal sinal divino evidente, o faraó procura a donzela que tenha o outro chinelo rosa-dourado. Acaba por encontrar a escrava... essa escrava é Cinderela?... Não, é Rodopé!
  
Ponte Diavolski, Bulgaria - Montes Rodopé (Trácia)... e o sapato de Cinderela.

Parecerá de facto, a história da Cinderela, mas de quem? 
De Esopo, de Estrabão, de Perrault, dos Irmãos Grimm, ou de Disney?
Bom, parece que também há uma versão chinesa - com Ye Xian, que perde um sapatinho dourado, e também tem uma madrasta malvada. É sabida a importância que os chineses davam aos pés pequenos, por isso esta história é também antiga - encontra-se numa compilação do Séc. IX d.C. (ver também aqui).

Encontrei, por mero acaso, mais esta "nota de Rodopé". 
Não era sobre isso que queria falar. Mas, aparecendo contada por Estrabão, convirá situar a época. 
Rodopé tal como Spartacus seriam escravos da Trácia. A brutal repressão romana à revolta de Spartacus ainda estaria fresca na memória dos gregos, e não podendo falar de Spartacus, talvez ocorresse a Estrabão falar de Rodopé, enquanto símbolo escravo da vizinha Trácia.
Se o grego Esopo atribuíra a Rodopé uma das pirâmides egípcias, o grego Estrabão iria dar-lhe um pé, que colocaria, através de Hórus, ao lado do poder divino faraónico. 
Se o pé do trácio Spartacus, como o de mais 30 mil escravos, foi pregado numa cruz na Via Ápia, houve poucas décadas depois outro pé onde tal cruz ficou imortalizada, com uma Roma rendida a esse símbolo.

4) O declínio egípcio
Amásis II - o faraó que escolheria o pé de Rodopé - seria o último grande faraó egípcio. A partir daí, de Rodopé ficaria essencialmente um Canto, um canto de arquitectos e poetas. 
Logo a seguir à morte de Amásis II os egípcios iriam cair sob domínio persa, do Império Aqueménida, ficando como uma província (isto, à excepção de um curto período, onde por alguns anos a capital será a cidade egípcia de Mendes - XIX dinastia).

Se a civilização egípcia consegue resistir ao primeiro Império, ou primeira monarquia Assíria, o mesmo já não se passará na transição para o segundo Império, quando Medos, Caldeus e Persas passam o poder da velha capital assíria de Nínive para a Babilónia, e depois Persépolis.
Já falámos da descrição de Figueiredo que fazia a divisão em 7 monarquias em vez de 4 impérios.
Quando se fala na mitologia do "Quinto Império", há em comum a primeira monarquia iniciada com os Assírios, por Nimrod ou Nembroth (associado à Torre de Babel e à capital Nínive).
Após a queda assíria, com Assurbanípal, ou Sardanapalo, o segundo império de Medos e Caldeus, começaria na Babilónia, e ficaria marcado por Nabucodonosor, em particular pelo registo bíblico da deportação hebraica, que terminaria com a ascensão persa de Ciro (560-530 a.C), a quem Figueiredo associa a terceira monarquia, persa, que só seria deposta por Alexandre Magno, marcando também o fim do segundo império. O terceiro império será macedónio-grego, a que se seguiria o quarto, de Roma.

O declínio egípicio, a ascensão de Nabucodonosor, e depois de Ciro, no Séc. VI a.C. vai produzir uma significativa mudança global. É dessa época que nos vão chegar os antigos registos históricos, míticos e religiosos... notando que são contemporâneos, ou posteriores ao "grande" Ciro, os "veneráveis": 
- Sete Sábios Gregos (em particular, Sólon, ou antes Tales de Mileto, 624 a 554 a.C) 
- Buda, ou Sidarta Gautama (563 a 483 a.C), 
- Confúcio, ou Kung Fu Tziu (551 a 479 a.C).

O ponto principal é que é nesta época que se definem os registos que passam para as gerações seguintes.
O caso mais emblemático será a confusão hebraica-judaica. É reconhecido que quando Ciro recoloca hebreus e judeus no mesmo "território de origem" já se teria perdido grande parte da cultura pelo período no cativeiro da Babilónia... onde choraram por Sião. Até a língua hebraica seria estranha aos judeus, pelo que a recuperação bíblica será feita com a ajuda dos magos persas - os seus antigos captores.
Não será assim tão estranho que haja muitos pontos comuns entre os registos míticos babilónicos e aqueles que serão depois adoptados pelos judeus. 

Por outro lado, ainda antes do declínio, fica claro que há uma aproximação entre egípcios e gregos.
Sólon, um dos Sete Sábios Gregos do Séc. VI a.C. procura informações no Egipto... em particular será aí que terá o registo da Atlântida, que depois será contado por Platão. 
O aparecimento da cultura grega não pode ser desligado dessa clara influência egípcia, que assim procura uma oposição à expansão persa. O Egipto acabará por retomar o seu protagonismo através deste investimento, pela importância que a dinastia Ptolomaica de Alexandria assumirá até à queda de Cleópatra. 

A tragédia que envolve Júlio César, Cleópatra, Marco António e Augusto Octávio, é uma história que assinala a luta de poder na transição entre o 3º Império sediado em Alexandria e a passagem para o 4º Império sediado em Roma.
Não será imediata, pois mesmo durante o período romano, Alexandria com a sua Biblioteca continuará a ser o principal pólo de conhecimento da Antiguidade. Será apenas com a chegada de Constantino, e a consagração de Bizâncio, que Alexandria perderia a sua importância como capital oriental, entrando em declinio até à conquista árabe.

Se notamos uma influência egípcia na formação filosófica e científica grega, também podemos ver alguma exportação filosófica para Oriente. Em muitos aspectos encontramos noções da filosofia de Hermes ou de Zoroastro nas reflexões budistas, confucianas ou taoístas.  Nota-se uma mudança significativa na forma, mas há muitos pontos comuns no conteúdo, que passam por quase todas as filosofias e religiões.

5) Beroso - Anedotos e Caldeus
Há vários relatos sobre Beroso, mas a sua história dos Caldeus só teria chegado parcialmente através de alguns relatos de Eusébio. Encontrámos um notável trabalho de Isaac Cory que nos dá uma tradução em inglês das citações de Eusébio, e das passagens atribuídas a Beroso (Berossus).
Começamos por esta:
(...) then Ammenon the Chaldean, in whose time appeared the Musarus Oannes the Annedotus from the Erythrean sea.
Quem era esta abominação "Joanes, Anedoto do Mar Vermelho"? 
- Os anedotos eram homens-peixe!
Parecerá "anedota", mas estes "anedotos" eram apresentados como se estivessem "vestidos de peixe", vendo-se os pés, e a cabeça na posição das guelras, assim:
 
Dois Anedotos - Homens Peixe... (imagem) e um enorme bacalhau (imagem)

Se a ideia era dessa forma passarem por "homens-peixe", parece de facto "anedota", e o nome "anedoto" é apropriado. Para além de "Joanes", ou "Oanes", Beroso refere mais anedotos, sempre do Mar "Eritreu"-Vermelho, um outro teria o nome Odacon.
Num dos relatos é dito que o Anedoto conversava com os homens de dia, não comia, e ao pôr-do-sol mergulhava nas águas, onde ficava toda a noite. Parece que com esta anedota eram convencidos os assírios que ele era anfíbio... 
De qualquer forma, aprenderam dele as letras, ciências e outro tipo de artes, como das sementes e frutos. Teria ainda ensinado-os a construir casas, fundar templos, compilar leis, bem como os princípios de geometria. Os seus conhecimentos eram considerados tão universais que nada mais era necessário, tendo tornado os caldeus mais gentis e humanos.
Ao lado decidimos colocar uma imagem de um enorme bacalhau... para que se torne mais claro o que poderia ser um Anedoto ou uma anedota, um bacalhau ou uma cabala.


Não deixa de ser algo estranha esta reverência dos caldeus a esses homens-peixe, que vindos de um Mar Eritreu lhes teriam transmitido conhecimento fundamental. Já aqui referimos da ambiguidade sobre a designação "Eritreu", e de que o Mar Vermelho já foi tido e achado em lugares diferentes. Em particular, esta pesca de bacalhau poderia corresponder a uma secagem de pele noutras paragens, talvez na zona da ilha Eritreia, colocada na Iberia.

Por outro lado, um símbolo na hierarquia cristã é a Mitra, um barrete que já foi visto como perfil de cabeça de peixe. O nome "mitra" está também associado a uma religião persa que chegou a ter um destaque semelhante ao do cristianismo à época da sua implantação no Império Romano. Porém, o barrete do mitraísmo seria o barrete frígio, e não algo com uma abertura que lembra a boca de peixe, como a mitra papal.
Mitra de João XXIII.

Não é nenhuma novidade que um símbolo cristão é o peixe, mas não é convincente que tal se deva às iniciais ΙΧΘΥΣ que corresponderiam a Iesous Christos Theou Yios Soter (Jesus Cristo, Filho de Deus, Salvador,  sendo Ichtys a palavra grega de peixe)... ou ainda a um "alfa" que tem a forma de peixe.
Se o hábito faz o monge, neste caso parece que há hábitos que vêm de longe, do fundo do mar...

6) Beroso - Dilúvio
No mesmo relato atribuído a Beroso fala-se do dilúvio. A divindade é Cronus, que aparece numa visão ao regente Xisuthrus (ou Sisithrus), avisando-o do dilúvio que destruiria a humanidade. Por isso, ele é encarregue de fazer uma história do mundo que guardaria na Cidade do Sol (ver Heliopolis) em Sippara, e de construir um navio onde levaria quem e tudo o que conseguisse, inclusivé todas as espécies de animais.
Depois, tal como na bem conhecida história de Noé, após o dilúvio, envia pássaros três vezes, até que eles não regressaram - o que significava que tinham encontrado terra firme. Num relato (via Abydenus) diz-se explicitamente que o navio se mantinha na Arménia, onde era ainda costume os habitantes fazerem pulseiras e amuletos a partir da sua madeira! (isto é visto como prova posterior da presença do barco no monte Ararat)

Nesse mesmo relato fala-se da construção de Torre de Babel, feita pelos habitantes da terra para desafiarem as alturas, contra vontade dos deuses, que através de ventos a demoliram caindo sobre os executantes, ao mesmo tempo que misturavam as diversas línguas, havendo antes apenas uma língua universal. Do desacordo teria surgido depois uma guerra entre Cronus e Titan...
A torre é colocada na Babilónia, e é dito que "para confusão é pelos Hebreus chamada Babel"...

Podemos concluir, que a menos de detalhes, e diferença de nomes, estas estórias caldeias-babilónicas do Dilúvio e de Babel são exactamente as mesmas que aparecem depois na tradição judaico-cristã. A grande diferença será o carácter monoteísta que parece associado a Cronus, eliminando referências a outros deuses ou a entidades míticas ou controversas, como o caso dos homens-peixe, os anedotos.

Será que podemos associar estes homens-peixe às figuras de sereias ou ao mito da Atlântida?
Até que ponto é que a questão do desaparecimento de uma potência atlântica não estaria ligada ao próprio mito do dilúvio?
- Afinal, havendo uma Idade do Gelo, quando essa termina para onde iria a água derretida?
- Não faria sentido considerar que o degelo teria provocado um considerável aumento da água do mar, afundando por completo povoações costeiras?
Se os gelos permanentes chegassem até ao Sul de França, como é habitualmente admitido, a retenção de água nesses gelos seria enorme, e a linha de costa seria bem diferente, estendendo-se muitos quilómetros no que hoje é Oceano. Um aquecimento do planeta teria como consequência uma catástrofe diluviana para civilizações costeiras. Só seriam sobreviventes as que assumissem algum carácter marítimo, ou que migrassem para zonas montanhosas. Essa mudança climática provocaria ainda uma mudança civilizacional, arruinando estruturas antigas, deixando perdidas várias tribos, e praticamente tudo teria que ser recomeçado.
Porém, quem sobrevivesse com a herança do passado perdido teria uma grande vantagem civilizacional face a todos os outros sobreviventes desorientados e espalhados por diversas partes, regressando à faceta de homens de cavernas.

Num dos relatos atribuído a Beroso é dito que o mesmo Oanes indicava que no início os homens teriam aparecido também com duas asas, outros com quatro asas e duas caras... podendo ser de homem e mulher.
Haveria ainda figuras humanas com cornos e pernas de cabras, outros pés de cavalo, touros com cabeça humana, etc... toda uma mistura zoológica, que teria sido desenhada no templo de Belus na Babilónia!
Não será assim de admirar que também no Egipto, por altura semelhante, tivessem aparecido representações mistas, que invocavam uma parte humana e outra parte animal... assim se constitui uma boa parte do panteão de divindades egípcias, que também foi exportada para mitos gregos.

Que propósito haveria nestes anedotos, ou nestas anedotas?...
Ou antes, como se manifestaria uma civilização mais avançada no contacto com tribos que estavam praticamente na pré-história? 
Teria paciência para fazer evoluir essas tribos para o mesmo nível? 
Aparecia como elite e tratava os restantes como servos? 
Interviria pontualmente como deuses e deixaria as tribos prosseguir a sua evolução?

Há alguns pontos na mitologia que podem ser encarados como abordagens a estas perguntas.
A civilização preponderante poderia ser encarada como um deus dominante, imortal, que decidiria sobre o futuro das civilizações que nasciam. A diferença de poder seria tal que permitiria intervir para proteger ou aniquilar civilizações emergentes. 
Neste sentido, apenas uma civilização, ou estrutura civilizacional, seria imortalizada... as outras passariam por fados, por jogos de poder, que as levariam a aniquilar-se. Não admitiria filhos... no sentido em que evitaria a competição interna com uma fonte semelhante de poder. 
Estamos perante uma figuração semelhante à de Cronos... que será deposto por Zeus.
O poder com Zeus substituiria essa dominância absoluta de Cronos, partilhando o Olimpo com os seus irmãos, numa oligarquia divina. Figurativamente, seria como substituir uma civilização dominante por uma assembleia olímpica de estruturas civilizacionais dominantes. Seria como se houvesse apenas doze tribos (o número de elementos no Olimpo) que decidissem sobre o futuro das guerras entre todas as outras... 
(ou ainda, seria como um conselho de segurança da ONU, onde cinco estados detêm o poder de veto)

De uma forma, ou de outra, não importa muito, os impérios ou monarquias que dominaram o mundo a partir dos Assírios, parecem ter tido um patrocínio externo, uma influência civilizacional superior que se constituiu como mitologia. Há quem refira os Anunnaki, o que parece ser apenas nome alternativo para a figuração dos Anedotos (um nome por interpretação cuneiforme, o outro das transcrições gregas de Beroso). 



segunda-feira, 20 de maio de 2013

Cobertura

Por vezes é conveniente sintetizar algumas ideias, revendo o panorama geral a partir das várias análises parcelares. Já fiz isso nalguns textos, mas é talvez altura de fazer nova revisão, explicando algumas das razões que podem ter ficado menos claras. 
Há muitas opções que se podem tomar... quem quiser seguir a via da História oficial ficará descansado na conveniência de estórias com a documentação oficial seleccionada que sustenta períodos isolados, mas deixa múltiplas questões globais em aberto, às quais nem se procura responder. 
Quem quiser seguir as teorias de civilizações extraterrestres, poderá fazê-lo, mas faltará mostrar a sua necessidade. Ou seja, o que foi encontrado que não possa ser alcançado por tecnologia humana desenvolvida num espaço de dois ou três séculos? - que eu saiba, nada! 
Outra hipótese é ir pela versão das grandes civilizações desaparecidas, ao estilo Atlântida. Já escrevi sobre a versão Atlântida=América que circulou à época dos descobrimentos (Séc. XVII), mas faço notar uma outra hipótese que tem sido ignorada. A estória de Platão contava que os Atlantes dominavam a zona mediterrânica, e mesmo todo o mundo. Depois desapareceram, por via de um cataclismo... 
- Será que desapareceram? - E esse desaparecimento seria ou não conveniente? 
- Afinal quem colocava sempre os limites da expansão no Mediterrâneo nas Colunas de Hércules?
- Por que razão não se prosseguia pela África? Só o Infante D. Henrique obterá autorização?
Ou seja, por que razão não considerar que toda a zona europeia estava sob controlo de uma potência "atlântica-atlante", ou seja "americana"? - Porque será isso apenas coisa moderna, ou muito antiga, perdida no tempo? - Havia ou não fortes restrições na condução das políticas europeias, quase desde sempre?

Como vemos, mesmo esquecendo outras vertentes místicas/religiosas, há sempre muitas formas de abordar os problemas. A que me parece melhor é também talvez a mais difícil... ou seja, aceitar tanto quanto possível as histórias oficiais, e só sair delas quando não houver respostas ou nexo lógico. Ainda que esse seja um caminho cheio de armadilhas, pelo menos seguimos o rasto de um nexo já criado, em vez de fazermos fé numa qualquer hipótese mais fantasiosa, só porque há uma grande corrente de seguidores.

1) A ocultação greco-romana.
Todo o propósito do blog se deve à ideia de ocultação persistente, e para isso bastam algumas provas que deixei bem claras no texto sobre "contas". Podemos ir buscar os mapas, a documentação, etc... mas tudo isso é acessório, bastam simples contas. Basta saber que a andar normalmente, com muito tempo de descanso, os homens podem caminhar 1000 Km num mês. Isso destrói por completo a ideia de limitação de exploração do mundo aos sítios convencionais. A única barreira à exploração seriam imposições humanas, a partir do momento em que o Homem tinha capacidade de lidar com outros obstáculos.

Desde quando vem essa limitação?
No texto sobre "Era dos Cobres" sugeri que poderia ter acontecido na época de aparecimento dos metais. Porquê tão remotamente? Primeiro, porque me parece claro que os Romanos sofreram de restrições às suas explorações, circunscrevendo-se à bacia mediterrânica. Para uma civilização que idolatrava os feitos de Alexandre Magno, parece improvável que os imperadores romanos não se preocupassem em enviar barcos para explorar a costa africana, ou simplesmente enviar legiões expedicionárias - mesmo a pé - com o intuito de traçar o continente africano (resolveriam o assunto num par de anos). Note-se ainda o registo de animais exóticos encontrados nos frescos de algumas povoações romanas, como em Villa Romana del Casale.
Não poderiam ser ameaçadas as suas povoações norte-africanas por algum inimigo vindo desse grande continente africano, que lhes era desconhecido? Estranhamente, isso não os parecia preocupar. Tal como sabiam bem dos registos de circum-navegação africana dos cartagineses, e não se interessaram em segui-los nesse feito marítimo.
Também não seguiram muito a senda de Alexandre em direcção à Índia, apesar de terem sido herdeiros de parte do Império Seleucida, o que os colocava na zona do Médio Oriente, a pouca distância da Índia. 
Foram contemporâneos do Império Greco-Báctrio e depois do Império Indo-Báctrio, ambos de grandes raízes gregas, o que permitiria uma ligação facilitada, pelo menos linguística, com os Romanos.
Édito de Ashoka (rei Indiano), em língua grega e aramaica, em Kandahar (Afeganistão)

O báctrio Demetrius, fundador do Reino Indo-Grego (c. 180 a.C.)

Portanto, apesar de uma presença "ocidentalizada" na Índia, durante alguns séculos, a partir do Séc. I (ano 10 d.C.) esse reino de herança greco-báctria irá sucumbir a invasores Citas, e a Índia ficará afastada do contacto ocidental próximo até à chegada dos portugueses.

Os Romanos pareciam estar assim limitados.
O mesmo se tinha passado antes com os Gregos, e quem tivera o ensejo de modificar isso fora Alexandre Magno, sob influência do seu mentor Aristóteles.
De acordo com o registo greco-romano, mesmo Cartagineses e Fenícios, apesar da sua grande capacidade naval tinham razoáveis limitações. Aristóteles referia a pena de morte para quem ousasse permanecer nas terras exploradas. 
Porquê? - poderia ser apenas para evitar a saída, e a constituição de colónias rivais, tal como Cartago o foi face a Tiro e Sídon... mas isso não parece ser consistente com a constituição de outras colónias, como por exemplo as colónias ibéricas, nomeadamente Cartagena, na Espanha.

2) Ocultação anterior aos Gregos.
As descrições gregas, começando por Heródoto, revelam um conhecimento circunscrito, semelhante ao que se verificaria em período Romano. Os egípcios, apesar de terem enviado algumas embarcações exploratórias, como as do faraó Senusret, anteriores à Guerra de Troia, também parecem não ter tido grande interesse pela parte restante do continente africano - excepção feita à Núbia, território contíguo ao sul do Egipto.
Há referências soltas a explorações significativas. Ao rei Salomão são atribuídas expedições rentáveis a um indeterminado país de Ofir, expedição com o auxílio de Hirão, rei de Tiro (há uma curiosa "Lenda dos Cavalos de Fão", na Praia de Ofir, que remete a essa origem salomónica). Para além dos Fenícios, temos ainda os registos Aqueus, os antigos gregos, quer das viagens de Ulisses e Menelau, ou ainda antes de Jasão e dos Argonautas.
Uma possível situação marítima à época da viagem de Jasão.

Dante na sua Divina Comédia, coloca Ulisses no 8º fosso do 8º círculo do Inferno... o herói grego era colocado bem nas profundezas dos infernos medievais, mas aí se veria também o seu "renascimento".
Porém, associa-lhe claramente uma viagem atlântica (canto 26), quando refere que na "mão direita deixou Sevilha e na outra Ceuta", ou seja, parte para além das Colunas de Hércules, e quando "os astros do outro pólo à noite via", refere-se claramente a uma passagem da linha equatorial - alusão semelhante que Camões usará nos Lusíadas. Há ainda quem considere que Dante poderia sugerir mesmo que Ulisses tivesse alcançado a América...
Dante - Divina Comédia - coloca Ulisses no Inferno, mas também lhe 
associa uma viagem pelo Atlântico Sul, passando a linha Equatorial.

Para outra provável referência a grandes viagens, ainda anteriores, já referimos Sargão, o seu reino de Acádia, e até a designação dos Sargaços. E será nos textos sumérios c. 2000 a.C. que encontramos os eventuais primeiros relatos exploratórios. Podemos ainda referir os Tartéssios, na zona do Guadiana - Guadalquivir, talvez ilustrados no mito de "Jonas e da Baleia", que refere uma eventual fuga da violenta Ninive para um refúgio em Tarsis.

Aqui já estamos no final de todos os registos sejam históricos ou estóricos, parece haver um limite por volta de 3000 a.C, onde até os mitos escasseiam. Ainda que os Caldeus invocassem registos astronómicos de vários milhares de anos, diz-se que a sua medida de "ano" seria o "mês lunar", pelo que uma divisão por 12 remeteria valores de 30 mil "anos" para aquele período. Será nessa época que poderemos colocar o lendário Nimrod (Nembroth) da Torre de Babel, um nome hebraico que não consta na lista de reis sumérios, talvez sendo o avô de Sargão. A lista mais extensa dos assírios parece remeter mesmo a reis nómadas enquanto "reis que viviam em tendas".

Quanto aos egípcios, ainda que os mitos remetam a períodos anteriores, também os seus registos mais antigos surgem por volta de 3000 a.C. com uma primeira dinastia fundada pelo faraó Menes. Durante esses 3000 anos até à chegada dos Romanos, o Egipto parece ter-se mantido como uma forte nação independente, não sujeita a tantas instabilidades como as vividas pelos vizinhos mesopotâmicos ou persas.

É claro que uma prolongada estabilidade poderia ter levado a grandes viagens, não apenas pelo Mediterrânico, onde teriam sido óbvias, mas também pelo Índico, dado o acesso directo através do Mar Vermelho... e navegando pelo mais calmo Oceano Índico, poderiam ter chegado longe... até à Austrália?
Recentemente houve uma polémica acerca dos hieróglifos de Gosford (Austrália):
 Hieroglifos de Gosford na Austrália (imagens)

Tratam-se de hieróglifos algo "toscos", encontrados gravados numa rocha de New South Wales (Austrália), e é claro houve alguma pressa em classificá-los como fraude, ou então como brincadeira antiga (de um militar estacionado no Egipto na 1ª Guerra Mundial), juntando-se a isto novas inscrições que iam aparecendo, ridicularizando mais, ou deturpando as anteriores.
Lembremo-nos que, aquando das figuras de Foz Côa, também houve candidatos que apareceram como pretensos autores de fraude, dizendo que "tinham desenhado os bois quando eram crianças"... Acaba por ser mais fácil encontrar mentiras prontas para encobrir estes achados do que propriamente os achados resultarem de mentiras...

3) A Síria, Assíria, Ciro e Tiro... 
A estes primeiros registos reportados a 3000 a.C. podemos juntar os registos do fim do Neolítico europeu, com a Cerâmica Campaniforme, de que falámos nas "Linhas Velhas de Torres".

Porém, fora desta cronologia ocorrem importantes registos soltos.
Já falámos de Gobekli Tepe ou Çatal Huyuk na Turquia, cuja datação aponta para mais de 10 000 a.C., tal como na Síria, nomeadamente em Tell Qaramel e Tell Aswad, ou Jericó (na Palestina), com datações entr 10 000 e 8 000 a.C., ou ainda Ain Ghazal (na Jordânia), c. 6500 a.C.
No caso de Tell Aswad e Jericó há uma semelhança na tentativa de preservação do rosto através de uma cobertura de barro, conforme se verifica neste crânios revestidos:
Tell Aswad (Síria)
Jericó (Palestina)
Ain Ghazal (Jordânia)

As formas humanas em Ain Ghazal mostram uma estilização com ênfase nos olhos, trazendo uma rápida lembrança da estilização que se popularizou na figura de humanóides. Há por vezes aspectos estranhos em representações humanas que remetem para esse tipo de especulações recentes. Fazemos notar que a associação entre duas representações tem dois sentidos... Só depois de se popularizarem as figuras de capacetes astronautas é que se começaram a ver capacetes de astronautas em muitas figuras antigas. Portanto, nessas associações convém sempre perceber a origem e motivo das interpretações.

Há ainda registos orientais muito antigos, nomeadamente em Yangshao (China), c. 5000 a.C, com registos cerâmicos muito notáveis até 10 000 a.C., havendo mesmo uma datação de fragmentos de cerâmica na Caverna Xianren que é colocada no Paleolítico, c. 20 000 a.C.
Vaso da fase Majiayao c. 3000 a.C (Yangshao, China)

Regressamos à zona da Síria, Turquia, Jordânia, relembrando o texto sobre o Campo Damasceno, nomeadamente a frase algo enigmática de Camões (Lusíadas Canto III, 9):
"Para que do mais certo se informara, ao campo Damasceno o perguntara".
Segundo Camões a disputa sobre a antiguidade humana seria mais certamente informada com os registos da zona de Damasco, na Síria. Consequência de muitas guerras com pretextos infernais ou primaveris, tem havido uma considerável devastação em muitos destes sítios arqueológicos... seja pela intervenção externa na Mesopotâmia/Iraque, ou pelas acções externas-internas mais recentes, na Líbia ou Síria, etc...

Aquilo que fazemos notar é que haveria uma História... ou Estória, que se enredava numa parte lendária, com teor religioso que remetia o seu início para um período c. 4000-3500 a.C. Até há pouco mais de 150 anos era considerado por cristãos, judeus, árabes, etc... que o primeiro homem teria surgido por essa altura. Ora, isso correspondia aproximadamente ao início dos registos históricos, desde Egípcios, Sumérios, etc...
A arqueologia com as suas datações subsequentes veio alterar muito esse panorama, mas não propriamente com o aparecimento de grandes culturas anteriores, excepção feita a alguns casos, como estes que aqui referimos. No entanto, estes registos soltos, à excepção de Jericó, não se enquadram em nenhum registo antigo, nem mesmo mítico.

Grande parte da tradição que sobreviveu passou por muitas influências, cada uma colocando maior ou menor deturpação para as gerações seguintes. Uma considerável influência passou-se com a acção das primeiras monarquias, dos Assírios/Babilónios, e depois pelos persas de Ciro.
Quando Ciro faz regressar os povos escravizados ao pretenso lugar de origem, nomeadamente os judeus/ hebreus, estes levam já uma versão adaptada pelos próprios magos Assírios. As semelhanças entre mitos babilónicos e mitos bíblicos não pode ser desligada do longo período de cativeiro.
É ainda na altura de Ciro que a cidade fenícia de Tiro começará a perder a sua relevância, já muito abalada pelo cerco de Nabucodonosor. Mesmo os Egípcios não ficaram incólumes a esta influência.

Se os sacerdotes egípcios acusavam os gregos de Sólon de serem crianças sem memória, quando lhes relataram a oposição heróica Aqueia/grega face ao domínio Atlante, não parece haver um enquadramento cronológico desse evento em função da Guerra de Tróia. Corresponderiam os Atlantes aos Troianos, na perspectiva egípcia? Sólon ou Platão não se teriam lembrado dessa vitória grega sobre uma potência externa para, ao menos, levantarem a questão?
21/05/2013

(continua...)

quinta-feira, 9 de maio de 2013

Prova

Se dúvidas ainda houvessem... aqui está a prova:

Há 3 anos coloquei aqui o Teatro dos descobrimentos onde apresentava um mapa do Museu da Marinha, onde se dizia ter sido 
"Executado pelo pessoal técnico do Museu da Marinha. Maio de 1970"

Em conjunto com KTemplar e Maria da Fonte discutimos este mapa, e se havia naturais suspeitas que se tratava de algo baseado em mapas antigos, o facto de ter um contorno perfeito, só visto no Séc. XX, poderia fazer duvidar que se baseava num único mapa antigo, que seria do reinado de D. Sebastião, muito provavelmente de 1570-78, dada a bandeira castelhana em Manila. 
Passados 400 anos, o pessoal técnico do Museu da Marinha colocava em circulação um mapa exacto da Terra, como D. Sebastião a conhecera, apresentada provavelmente por Pedro Nunes, ou por outro cartógrafo, que aceitou explicitar o globo na projecção Mercator.

A prova disto encontrei-a fortuitamente, numa pequena imagem que ilustrava um artigo sobre a Austrália:
(artigo da New Dawn Magazine, de 15 de Março de 2012, David Jones / Steve Strong)


Esta imagem que o autor desse artigo usa (e não identifica) não vem da "execução do pessoal técnico", não é a de 1970, será do original, ou de uma cópia do original, de 1570. 
Só que tem um problema... é exactamente igual à outra, nos contornos e nas linhas de navegação, e até mesmo nas ilustrações que se vêem no interior da Austrália.
É a prova! 
É a prova de que o mapa do Museu da Marinha, é uma cópia fiel de um original com 400 anos.
Vemos ali a Terra na sua plenitude de contornos, como foi apresentada a D. Sebastião.

Quando Pedro Nunes dizia que os portugueses tinham visto todos os penedos, ilhéus ou baixios, poderia duvidar-se... mas foi ainda mais que isso, cartografaram-no com uma precisão sem rival nos 300 anos seguintes. Ao mapa praticamente só falta a Antártida...

Talvez D. Sebastião tenha ousado divulgar o mapa, e encontrou uma guerra em África, tal como Marcelo Caetano, encontrava outra, onde terminaria a aventura ultramarina portuguesa. 
Há guerras que são contadas como obstinações, ou de um jovem rei, ou de um regime repressor, e ainda que isso tenha uma parte da história, não é a História. Fica aqui este pequeno contributo para a procura de verdade, que justifique esses milhares de vidas, de ambos os lados, que se perderam em guerras "sem razão".

Nota adicional [12-05-2013]
Esqueci-me de citar um outro texto, que já tinha escrito sobre a Grande Alca, onde tinha destacado os pinguins árticos e os cangurus:
... entretanto, dando demasiado nas vistas a figura dos pinguins (alcas) no Ártico,
que foram extintas, por caça excessiva, a solução foi pintar por cima - como está hoje:

Agora, isto pode ser visto ainda no Museu da Marinha - Local onde está exposto o Mapa:
... até que uma qualquer troika exija que se coloque uma tapeçaria de Arraiolos, e se retire o mapa!

terça-feira, 7 de maio de 2013

Austrália do Espírito Santo

Austrália do Espírito Santo é como Pedro Fernandes de Queiroz terá baptizado o continente austral


numa viagem quase esquecida, em 1606, mas que o Padre José Agostinho de Macedo faz questão de lembrar noutra parte do poema "Newton":
O trabalho mortal, o amor da gloria.
Ó nome Lusitano, ó Patria minha,
Eu culpo o teu silencio, a huma virtude,
Que se apraz de esconder-se, eu chamo inercia.
Descreve Newton c'o compasso d'ouro
O globo que Varennio exposto havia;
Foi Cook, e foi Byron, foi Bougainville,
Qual Anson foi guerreiro, e os mares gyrão.
Do Continente austral foge o fantasma,
Que avarento Hollandez (nem hoje avaro;
Nem já por crimes se conhece a Hollanda)
Julgou grande porção do globo, e sua.
Assombrado do gelo atraz voltárão,
Mas nunca hum passo além co' lenho óvante
Da Terra forão que tocára hum Luso;
Magnanimo Queiroz, déste-lhe hum nome
Para ti foi brazão, e he meta aos outros
Do nebuloso Sul prescrutadores:
E a gloria de buscar no Mundo hum Mundo,
Se ao pensativo Bátavo pertence,
E ao pertinaz navegador Britanno,
No Tejo as bazes tem, no Tejo a fonte,
Mais além de Queiroz nenhum se avança.
Foi entre tantos Magalhães primeiro,
Todos de hum centro os raios se derramão,
Que vem tocar d'hum circulo os extremos,
Há uma referência a vários nomes... e essencialmente o Padre Macedo transmite uma versão muito clara das condicionantes sobre as descobertas no período entre Fernão de Magalhães e James Cook.
Macedo começa por queixar-se do silêncio, inércia portuguesa, para reivindicar a presença no continente Australiano. Mas não se fica por aí, traça um rasto...

O rasto começa no trabalho do jovem holandês Bernhardus Varenius, "Geographia Generalis", republicado pelo jovem Newton... um escreve-o e morre aos 28 anos, e com a mesma idade, o outro vai recuperá-lo. Não consegui obter nenhum "globo exposto", nem um único mapa dessa geografia... é certo que o trabalho ficou conhecido por ser teórico, mas uma geografia sem um único mapa, parecia-me ser apenas sina de portugueses e espanhóis após o Séc. XVI.

Cook é sobejamente conhecido, e já falámos sobre o Cozinheiro e Sanduíche
John Byron será aqui o avô do famoso poeta. Esse Byron acompanhou George Anson numa viagem de circum-navegação. Ambos ficaram conhecidos por contribuírem para a derrota franco-espanhola na Guerra dos Sete-Anos.
A partir daí ficou Pacífico que o Oceano seria inglês, com a anuência e silêncio do aliado, Portugal.
Se o francês Bougainville tinha bem preparada a viagem Pacífica pelos mares do Sul, pela derrota sofrida Luís XV não a pode creditar. Bougainville contentou-se com o nome associado às belas buganvílias, flores que antes de serem "descobertas" por si, era suposto abundarem em toda a América do Sul, com vários nomes, entre os quais "três-marias"...
Os franceses ficavam com as buganvílias, e os holandeses com as túlipas...

A Holanda, já tinha tido o seu quinhão de guerras navais com os ingleses, e a sua rota seria uma derrota. Uma derrota é nauticamente uma mudança do curso previsto na rota. Conforme referimos em Túlipas e Futuros, a invasão inglesa protagonizada por Guilherme de Oranje foi uma vitória holandesa que cedeu o doce da Laranja e acomodou o ácido, ao jeito do que aconteceria com o aliado português.

Do continente austral foge o fantasma
Era disso que se tratava... de uma fantasia política que impedia a sua descoberta.
Por isso, diz Macedo... do avarento Holandês já nem se conheciam "os crimes" no início do Séc. XIX.
A sede do comércio, dos avarentos, tinha passado para a City Londrina.
Porém, Macedo lembra... lembra da vontade de dominar os mares, julgando sua grande porção do globo... afinal pecadilho semelhante ao dos portugueses. Podemos relembrar aqui os privilégios que a Companhia das Índias Holandesa arrogava ter
Antes de falar de Pedro Fernandes de Queiroz, o Padre Macedo faz questão de salientar
"nunca um passo foram avante com os barcos, do que onde tinham tocado os Lusos"
tal como dissera Pedro Nunes, os lenhos das naus portuguesas tinham ido a todo o ilhéu, todo o baixio.

Para Queiroz, o Padre Macedo não reclama a descoberta, reclama o nome a "Austrália do Espírito Santo", nome que constaria do diário de Cook, e que acabou por se sobrepor enquanto Austrália à designação inconveniente de Nova Holanda... que lembraria os holandeses. A viagem de Queiroz à Austrália Oriental é de 1606, e no mesmo ano é reclamado que Janszoon teria avistado a parte Ocidental. Mais uma vez, uma quase simultaneidade, passando quase um século que os portugueses aportavam a Timor, ali ao lado. Poderíamos lembrar ainda a viagem de Heredia em 1601, mas Macedo é mais claro:
"mais além de Queiroz nenhum se avança, foi entre tantos Magalhães o primeiro"
 ... ou seja, Macedo dá a entender que Magalhães teria sido o primeiro a aportar à Austrália.
É algo natural, porque em muitos mapas, a parte austral é denominada "Terra Magallanica"... e por isso, mais do que o crédito da viagem de circum-navegação pelo Estreito (que o próprio denunciara, ao falar no mapa de Behaim), seria natural que essa viagem se destinasse também a reclamar a Austrália para Espanha. 

Ao pensativo Batavo pertence...
A Austrália seria a gota de água que transbordaria o Oceano político europeu.
Quando Magalhães começava a preparar a sua viagem, em 1517, Martinho Lutero confronta a Igreja com as suas teses que questionam o Poder Papal. Quando Elcano regressa em 1522, já Lutero tinha afixado as suas teses e passado pela Dieta de Worms (ligada à saga dos Nibelungos)... estando proscrito por Carlos V. 
Só que o imperador, após séculos de tradição germânica, estava agora em solo espanhol!
A questão explorada pela simples avareza não oferecia grande dúvida.
- De um lado, o Tratado de Tordesilhas que dividia o mundo em dois, reconhecido pelo Papa, e com o Imperador Carlos V interessado numa das partes desse mundo.
- Do outro lado, a restantes nações europeias fora da partilha, e um Martinho Lutero que, tal como dezenas de outros, criticava o poder papal, o seu despotismo... Continuava a fazê-lo. Nada de letal, próprio dos tempos, lhe acontecia, porque o momento era o momento político de colocar um travão sobre o poder e arbitragem papal. 
A restante Europa não iria cruzar os braços. Em 1532, o inglês Henrique VIII encontra-se com o francês Francisco I... o assunto parece ser o casamento com Ana Bolena, mas será efectivamente a separação da Igreja Anglicana, que ocorre no ano seguinte.
Quando o poder papal reage, iniciando a Contra-Reforma, em 1545, já estava aberta a ferida que se iria prolongar até hoje, na divisão entre catolicismo e protestantismo.

Ainda estamos longe de chegar ao "pensativo Batavo"...
Há várias camadas que se confundem naquela transição do Séc. XVI. Ninguém quereria travar o Renascimento, mas certamente que se temia uma evolução das relações sem arbitragem papal, ao mesmo tempo que os estados protestantes se queriam libertar daquele jugo romano que os desfavorecera.
Religiosamente, havia agora uma disputa aberta. Politicamente, o tratado de Tordesilhas abrira outra.
Estas já eram suficientes para complicar as coisas. 
Porém, em cima destas, estavam os problemas "secretos". 
Havia novos territórios, novas revelações, que praticamente estavam excluídas de serem mencionadas.
Falar-se-ia de Índias Ocidentais e Orientais, mas pouco mais que isso. Mesmo uma boa parte da nobreza não teria acesso a uma visão geral do problema, o que aumentaria a confusão!

Retirando a autoridade papal, que outra forma de arbitragem haveria entre as nações, que não ameaçasse toda a estrutura do poder europeu, assente na separação entre nobreza e burguesia. Como se isso não bastasse, o protestantismo envolvia a crença popular, e o povo não deixava de fazer parte da equação.
A isso acrescia um Império Otomano que se expandia pelo Mediterrâneo, e é claro... havia os judeus.
A solução pelo lado católico foi clássica... reprimiu tudo o que podia. Pelo lado protestante, que estava em perda, interessava uma motivação aglutinadora, e foi necessariamente mais tolerante. 
Note-se que o próprio Lutero tinha escritos anti-semitas, e por isso logo se formaram variantes religiosas, cujo objecto podia ser teológico, incluíam calvinistas, metodistas, e outras variantes... mas o importante é que os Estados deixavam de ser definidos pela religião. Porém, interessava manter uma aglutinação do Estado sobre algum ponto comum, que não fosse o velho conceito medieval de Rei.  

É neste contexto que aparece a República de maior sucesso (após Roma)... a República Holandesa. Se Veneza era já um bom exemplo de reedição do ideal de república, a Holanda foi muito mais longe.
Com D. Sebastião, Portugal extingue o último sopro em 1578, em 1579 dá-se a União de Utrecht que formaliza a República Holandesa, pronta a acolher todos os refugiados judeus... muitos dos quais já tinham partido da Península Ibérica. A Holanda torna-se rapidamente numa terra de acolhimento para milhares de refugiados, que impulsionam aquele pequeno território para uma rápida ascensão.

Faltava o enquadramento global. 
É nesse contexto que aparece o "pensativo Batavo"... Hugo Grotius.
Grotius vai propor uma Lei Internacional diferente, que irá invalidar o poder natural do Papa.
Teria sido provavelmente esquecida, mas a vitória na Guerra dos Trinta Anos, e o Tratado de Vestfália, exigiam uma nova ordem. Essa ordem mundial seria definida pelo pensativo holandês, que diz Macedo - "teve a glória de buscar no Mundo um Mundo".
Se o Papa proclamava o poder pelo direito natural, Grotius afirmava a legalidade pelo poder efectivo, acordado entre Estados, em função do equilíbrio de forças. É assim um pretexto para atacar todas as possessões ibéricas, especialmente as portuguesas, pela Companhia das Índias Holandesas. Deixa de haver um direito natural associado a qualquer descoberta, ou a validação papal... os holandeses passam a atacar as possessões dos restantes, conforme os seus interesses. Só respeitariam os acordos de paz, que seriam depois firmados entre Estados. 
É nesse sentido que proliferam os Tratados de Paz, porque são a única lei respeitada, por via de conflito.

Ainda assim, é notável que os Holandeses são mais temerários em atacar as possessões alheias do que propriamente a desbravar novos territórios, mesmo aqueles que eles sabiam existir e não estavam declarados. Têm especial cuidado com a Austrália... onde só arriscam avançar pela parte ocidental. Na América entram em disputa com os ingleses na posse da costa leste, mas nada fazem na costa oeste!
Ignoram praticamente todas as ilhas do Pacífico, excepto a parte Indonésia.

Ou seja, parecia manter-se uma proibição, uma auto-exclusão mais forte do que a simples lei internacional que Grotius enunciara, e que entrara em vigor após Vestfália. Havia territórios ainda assombrados de onde não saíam os fantasmas, mesmo por via das relações internacionais. As Companhias das Índias pareciam sobrepor-se às relações estatais...
A globalização só acaba por ocorrer quando o poder migra para a City de Londres, especialmente quando é autorizada a descoberta de Cook, que é praticamente simultânea à Independência dos EUA.
A Holanda será quase esquecida, o poder financeiro já tinha definido um novo centro de acção...
Afinal, tão ou  mais importante que a relação entre os Estados, seria definir um sistema político que mantivesse um certo secretismo, ao mesmo tempo que aparentava ser democrático.
Entravam aí as teorias sociais... especialmente de Thomas Hobbes, que definiria o "Contrato Social", a que se seguiram Locke e Rousseau.
Teorias que pouco mais serviam do que para justificar o "status quo", arranjando um qualquer nexo causal que eliminasse responsabilidade de quem teria o poder. Como se qualquer jovem que nasce tivesse delegado, por sua vontade, algum poder no sistema que definiria a sua própria formação e o condicionaria na sua inserção social e cultural.
Tal como no caso de Grotius, estas teorias traziam um substrato ideológico, mas pouco mais eram do que uma mera descrição do observado e do trivial, não fornecendo nenhuma teoria que justificasse relações humanas ou lhes desse um verdadeiro nexo.

quarta-feira, 1 de maio de 2013

A pomba de Árquitas

Lendo o Padre José Agostinho de Macedo na sua "Viagem Extática ao Templo da Sabedoria", ou ainda indo ao poema "Newton" (o nome do original anterior), podemos retirar muitos nomes de individualidades. 
Alguns a deusa da Fama guardou com mais carinho que outros...

Falemos hoje das referências a Árquitas de Tarento e a Pilâtre de Rozier:
Do antigo Architas se escureça a Pomba; 
Maior prodigio guarda a idade nossa.
Eu vejo pelo ar volantes carros,
Quaes vão nas ondas os baixeis arfando;
(...) Eu vejo o golpe, e a victima primeira
Em Rosier intrepido, que sobe; 
Elle o primeiro foi, mas prestes passa,
Do regaço da gloria ás mãos da morte.
 
Era já opinião de Macedo que se iria "escurecer" a invenção de Árquitas de Tarento, que foi passando nos registos da antiguidade como sendo a primeira máquina voadora... a chamada Pomba de Árquitas
 
Árquitas de Tarento e uma ilustração da "Pomba de Árquitas"

Pomba de Árquitas. Segundo os registos antigos, o engenho da "pomba" terá voado 200 metros, por um sistema auto-propulsor de reacção... conjectura-se que seria de ar comprimido.
Convém notar que voar com aparelhos de reacção acabou por ser o último passo da aviação. Os reactores superaram as hélices, assim como as hélices tinham suplantado o voo pelos mais leves, dirigíveis ou balões.

Pelo menos, o princípio do voo por reacção seria conhecido desde há praticamente 2400 anos.
Se o nome de Árquitas foi popular, sendo político e regente de Tarento, também o foi como um dos primeiros a aplicar princípios de matemática à mecânica. 
Porém, há sempre trabalhos, registos que se perdem... as noções aparecem depois, passados milhares de anos, com o nome de outros, e não nos referimos apenas a Arquimedes, que terá sido um dos seguidores. A deusa da Fama escolhe os nomes que acarinha, por várias conveniências ilusionistas...

No registo mítico, temos Dédalo que constrói asas de cera para o seu filho Ícaro voar... e é claro que tal coisa só pode ser vista como mítica pelo peso educacional que nos amarra ao chão. 
Afinal, que sentido faz conceber voo com asas? 
Que sentido faz conceber voo com asa-delta?
Que parte tecnológica é que não estava ao dispor na Antiguidade, para conceber tal sistema? Certamente que não era falta de tecido leve, nem de estrutura sólida.
Quando o vento sopra forte, o que é difícil é mantermo-nos no chão, mas certamente que durante milénios ninguém terá pensado tampouco em levantar um papagaio. Só recentemente se libertou algum do génio preso na garrafa, e já se tenta enfiá-lo lá dentro de novo... sobre o voo do Daedalus-88 já se passaram 25 anos, e mais nenhuma bicicleta parece ter ganho asas para superar aquela proeza de ligação aérea entre Creta e Santorini - a publicidade que nos dá asas, serve o propósito de as tirar.

Balão de Rosier. Se Ícaro caiu por querer voar mais alto, também o mesmo ocorreu com Pilatre de Rozier. Esquecendo o gás na Passarola de Gusmão, que estranhamente Macedo nem menciona, em 1783, ao mesmo tempo que os irmãos Montgolfier faziam um balão de ar quente, Rozier usava também o princípio dos gases mais leves para o seu balão.
Ah! Coincidências incríveis... após milénios agarrado ao chão, no dia 15 de Outubro de 1783, o Homem erguia-se no ar de duas formas distintas. Primeiro, Etienne de Montgolfier com um balão de ar quente, e depois Pilatre de Rozier com um balão misto de gás e ar quente. No mesmo dia, no mesmo local, organizado por Revéillon... 
Após autorização real, foi mesmo a Rozier que coube o primeiro voo, com o balão desprendido do chão, a 21 de Novembro, e com a companhia do Marquês d'Arlandes. 
Demorou mais de um mês a descoberta de que se podia soltar a corda...
Rozier... e o "primeiro" voo de balão

Rozier terminou mal, procurou evidenciar-se pela travessia do canal da Mancha, mas foi de novo suplantado, e acabou mesmo por perecer na queda, na sua tentativa.

Com a autorização real de Luis XVI, os franceses soltavam o seu génio, exibindo proezas nunca antes vistas (vamos esquecer, é claro, Zhuge Liang, Bartolomeu Gusmão, e outros... que não eram franceses). 
Acordaram, com as feiras de Jean Baptiste Revéillon, e libertavam o génio soltando a rolha numa propulsão do champagne... e pareceria que a cabeça girava com tanta súbita descoberta.

Passados poucos anos, em 1789, muitos deles vieram mesmo a perder a cabeça - nas guilhotinas da Revolução Francesa. 
Luis XVI acabou por ser uma impensável vítima desse (mau) génio dos seus compatriotas...