terça-feira, 24 de setembro de 2013

Dos bancos, o velar e as pirâmides

Muito oportunamente recebemos hoje um comentário de Olinda Gil sobre a descoberta de um banco com formato piramidal por um velejador açoriano, Diocleciano Silva, em mais uma reportagem da RTP Açores.

Com base nesse comentário, no blog Portugalliae (de J.M. Oliveira) está já uma compilação que relaciona com outras descobertas subaquáticas na zona dos Açores:

Este é mais um achado, que se junta a outros que têm vindo a merecer atenção sobre os Açores (já aqui falámos das Pirâmides da ilha do Pico, da Grota do Medo, dos hipogeus na Terceira e Corvo, etc., não esquecendo também a estranha formação submarina ao largo da Madeira... agora disfarçada no Google Maps)

Apenas aproveito para complementar com alguma outra informação relacionada.
Começamos por uma informação batimétrica dessa zona, entre a Terceira e São Miguel, onde é muito bem conhecido o Banco de D. João de Castro.
Imagem batimétrica, onde se vê o Banco D. João de Castro (info daqui
e assinalamos com uma seta o outro banco que pode ser a formação pirâmidal mencionada.

A seta preta assinala uma proeminência que se destaca, que parece ter uma forma piramidal pronunciada, e que é a única tão próxima da superfície do mar, sem ser o conhecido Banco de D. João de Castro. Aliás as montanhas submarinas dos Açores têm sido alvo de exploração recente, como mostra o vídeo da Univ. dos Açores:
Vídeo da Univ. Açores sobre montanhas submarinas açorianas.

Portanto, é claro que o velejador Diocleciano Silva não será o primeiro a deparar-se com a estrutura, que será bem conhecida de todos os que realizaram estudos batimétricos na zona da fossa planalto Hirondelle (... andorinha, era o nome do barco do princípe Alberto I do Mónaco).
A página de onde retirei a figura batimétrica é sobre uma outra formação, chamada o Banco do Mónaco, mais a sul, sudoeste de S. Miguel. Trata-se de um vulcão submarino, e é curiosa a menção feita na página de vulcanologia:
The volcano is unusual for a European volcano as it has never been studied.

Os Açores têm destas coisas... há coisas que nunca foram estudadas.
Por isso são naturais as tentativas de descobrir - ou seja de retirar do encobrir, já que Portugal é feito da matéria do Encoberto.

É claro que a questão do velejador seria prontamente resolvida se houvesse informação disponível, mas assim fica encoberta por toda a ausência de informação divulgada. Estes "achados" são assim falados por uns tempos, correm o facebook por um par de dias, e depois aguarda-se que entrem naturalmente no esquecimento.
Como a população tem uma curiosidade não persistente, o assunto merece uma atenção fugaz, já que as pessoas se conformaram a ter uma informação não esclarecida. Rapidamente haverá outro assunto que prenderá a atenção, e o mistério desaparece naturalmente.

No caso em concreto convém notar apenas que a formação pode ser natural, pois o aparelho usado pelo velejador parecia estar no limite da sua resolução, e nessa altura as linhas curvas podem ser apresentadas simplificadamente por quatro linhas, e a forma quadrangular pode sugerir uma forma piramidal (as curvas de nível da montanha do Pico numa má resolução poderiam aparecer da mesma maneira).
De qualquer forma, mais importante do que haver ali ou não uma pirâmide, é não haver logo um esclarecimento ao velejador, e o assunto ser alvo de reportagem como se a Marinha não soubesse, nem se tivesse passado ali com um sonar antes...
Ora, este conhecimento vai mesmo para além dos 100 anos, já que há esses estudos reportados a Alberto do Mónaco, e também ao nosso rei D. Carlos, que foi igualmente um oceanógrafo reconhecido.

Muito antes, no Séc. XVI, o próprio D. João de Castro ficou conhecido pelos seus estudos sobre os baixios.
Nessa altura chamavam-se "baixios" e não "bancos", mas agora é mais fácil associar a riqueza que guardam estes bancos e perceber como pode haver uma crise com a revelação dos segredos dos bancos (... velando pirâmides financeiras).
O significado das palavras serve vários propósitos.

Esses baixios apareciam representados nos Roteiros de D. João de Castro, vice-rei da Índia, como é exemplo na próxima gravura, e visavam evitar problemas de navegação com profundidades baixas.
(Roteiros de D. João de Castro, Biblioteca da Univ. Coimbra)

É claro que esta precisão de contornos dos baixios envolveu uma pesquisa sistemática na navegação.
Na altura seria provavelmente usado o esquema clássico de lançar uma corda ao fundo e medir as braças.
Esta menção aos baixios pode ter sido mais sistematizada por ordem de D. João de Castro, mas já seria encontrada em mapas anteriores.
Alguns baixios em frente da costa de Moçambique já estavam delineados no Livro de Marinharia de João de Lisboa e apareceram designados depois com a referência a D. João de Castro. Por isso, antes da designação desse Banco D. João de Castro nos Açores (vulcão submarino que originou uma ilha temporária em 1720-22) havia outros "bancos de D. João de Castro", na costa próxima de Moçambique, junto às Ilhas Comores.

Costa de Moçambique. Baixios de D. João ... de Castro.
No Livro de Marinharia (c. 1514-60) a menção aos baixios, 
e sua localização no Google Maps (seta amarela).


Repare-se que a menção aos baixios envolve um conhecimento de grande profundidade no Séc. XVI.
E, é literalmente profundo, pois marcas envolvem medições que iriam muito além de várias centenas de metros.

Nota adicional: (12/10/2013) __________________
A Marinha parece ter reduzido o problema à confusão do navegador com o Banco D. João de Castro:

É engraçada a forma de desinformação dos tempos recentes - basta a uns dizerem que sim, e a outros dizem que não.
Um é velejador solitário, o outro é a Marinha com os registos oficiais de maior "sensibilidade".
Não foi preciso confrontação dos dois registos. 
Ficamos a saber que até à comunicação à RTP Açores, o velejador pesquisou durante vários meses sem saber da existência de tal banco, que aparece em todos os mapas. Por outro lado, os repórteres da RTP Açores fazem uma reportagem sem se informarem com mais nenhuma fonte. A Marinha demora 12 dias a concluir uma trivialidade poderia ter sido esclarecida em 5 minutos. 
Uma trapalhada!... uma sucessão de enganos e incompetências, que afectam instituições com algum prestígio - mas é suposto ser normal as instituições darem como perdida a sua respeitabilidade. Haja paciência!

De qualquer forma, já antevendo desfechos deste género como os únicos possíveis num quadro de ocultação, este texto foi feito para ter relevância para além da observação de Diocleciano Silva.
Entre outras coisas, fica claro pelo mapa que apresentámos aqui que há uma estrutura de forma piramidal acentuada, que não é o Banco D. João de Castro, é aquela que está assinalada pela seta a negro, e que mais uma vez não foi mencionada.

domingo, 15 de setembro de 2013

Pés e Cabeça

Um dos registos passados mais misteriosos é o que diz respeito à deformação cefálica.
Que motivo levou diferentes civilizações a deformarem os seus crânios de forma tão pronunciada?
Olhando para os crânios deformados da civilização de Paracas (Perú, zona Nazca), apenas pelos aspectos morfológicos, poderíamos até duvidar que se tratavam de Homo Sapiens...
Crânios deformados encontrados em Paracas... (ver também esta página)
Dada a sua vizinhança à paisagem Nazca, é de perguntar: 
- por que razão estes crânios expostos em museu, que lembram "figurações extraterrestres",
não aparecem habitualmente nos livros sobre Nazca, onde se fazem conjecturas sobre visitas passadas?

Não é só em Paracas (península de Ica, perto das figuras Nazcas) que se encontram crânios deformados.
A página da wikipedia que citámos (e que remete ao livro The Enigma Of Cranial Deformation: Elongated Skulls Of The Ancients, D.H. Childress and B. Foerster, 2012), indica vários casos: 
They were not unique in this, as the process of manipulating the shape of a child's head in infancy was practiced by many cultures, at different times, around the world. These other cultures include those in ancient Iraq, Russia, Melanesia, Malta, North America, Mexico, and possibly Egypt during the Amarna period: Tutankhamen has been cited as having an elongated head, but that is disputed by many scholars.
O que motivaria esta tradição em culturas que vão da Oceania (Melanésia) até à Europa (Rússia, Malta), ou às Américas (Mexico, Perú)?
Não se trata propriamente de uma moda de "corte de cabelo"... a deformação craniana é um processo violento, que poderia provocar dores inimagináveis.
Pintura do Séc. XIX (Paul Kane), representando o processo de deformação cefálica
numa criança índia Chinookan (EUA), e um resultado obtido no adulto...

No entanto, este processo estava normalmente associado a uma certa casta social... ou seja, parecia haver uma vontade de se parecer com algum modelo. Haveria uma ligação religiosa a xamãs ou sacerdotes, propagada pelas classes mais altas. É pouco verosímil que povos tão distintos se lembrassem do mesmo absurdo sem que houvesse um motivo forte, e sem dúvida que teria havido um elo ou influência comum. É dito ainda que tal prática, que ocorre modernamente, poderia colocar a pessoa mais próximo do "mundo dos espíritos"... pode ser por alucinações, ou por tradição de contacto com os tais "modelos".

Quanto à conexão entre estes crânios alongados, existentes nos Aztecas, Maias, Incas e os crânios alongados representados no Egipto, creio que esta imagem (daqui) é auto-suficiente:

Os crânios alongados de um lado do Atlântico... e do outro.
Quase todas as imagens apresentadas na página (que deve ser visitada)
... mostram bem as semelhanças e conexões culturais entre o Egipto e os Incas.

Bom, a sugestão de ligação habitual passa pela Atlântida perdida... mas convenhamos, isso não nos leva à Melanésia ou Polinésia, onde este costume ainda se mantinha, bem como que parece ter sido praticado entre os Aborígenes Australianos. Nem nos leva a registos russos... ou ainda à tradição que se manteve entre suevos e alanos (de que já falámos no texto "Suevos e os Arianismos", a propósito do texto "Mare Suevorum", no blog Portugalliae)

Isto é mais um dado no sentido da ligação que vai da Nova Guiné à Europa, passando pela América... falha aqui o registo indiano ou chinês. 
No caso chinês (ou japonês), as deformações não ficaram na cabeça, passaram para os pés.
O drama da deformação de pés, num conceito de "beleza" oriental.

Dir-se-à que isto "não tem pés, nem cabeça"... mas fico cada vez mais circunspecto com a língua e expressões que herdámos. Aliás, para além de alguns títulos "sugestivos", estou a evitar entrar na questão da linguagem, porque apesar de haver coincidências a um nível demasiado grande, não é fácil abordar o assunto de maneira clara, sem entrar em especulações. 
Porém, neste caso é inevitável falar na questão da palavra "colar"... lembrar a Cola do Dragão, cobra que afinal cobre e cobra, a troco de cobres, unindo o "cou" ao pescoço francês. E sendo coço a traseira, juntar pés e coço em pescoço, mostra como colam os colares ao pescoço, com as devidas Ordens. Bom, mas já dei o meu chá para essa procissão... 

O que me interessa aqui é abordar o "modelo"... ou seja, será que estas culturas pretenderam imitar um modelo de pessoas que tinham um aspecto diferente?
Haveria uma raça diferente, dominadora, que teria servido de modelo?
Poderia falar em extraterrestre... mas tenho largas dúvidas sobre essa teoria. 
O que teria mais de "extra" seria não se querer misturar com os outros, porque afinal de contas não deixariam de ter aspecto macacóide, como todos nós, desde o Erectus ao Sapiens, passando pelos Neandertal. Ah, e claro que também teriam "esperteza macaca"!

O que é perfeitamente natural, e é nisso que tenho insistido, é que estes últimos 100 ou 200 anos, nos mostraram como poderia evoluir rapidamente uma sociedade humana, quando o génio é libertado, e não fica preso em tradições absurdas que nos amarraram a cabeça e os pés.
Se houve dezenas de milhar de anos de estagnação não foi por falta de génio... foi porque uma educação condicionada, baseada numa estrita tradição, é a maior prisão que pode existir para o espírito humano. As pessoas são ensinadas a ter os seus objectivos programados para uma inserção na sua sociedade, e se essa sociedade está doente, os indivíduos são contaminados por essa doença. As ideias instalam-se e formatam os cérebros para determinadas expectativas e objectivos, são raros os que questionam o funcionamento, e só o fazem quando tiverem razões para isso.
Faço apenas notar uma coisa - o tempo mais importante é o tempo de perceber o que é importante.
Esse tempo nunca é uma perda de tempo, porque só depois de perceber a importância das coisas é que podemos falar em perda de tempo.

A verdade é importante, mas muito mais importante do que conhecer a verdade, é aprender a distinguir o que é falso. A verdade surge apenas como consequência desse processo. 
Por exemplo, o que será mais relevante? 
- Que se decida agora publicar os segredos, ou que se definam políticas educativas que mostrem a falsidade e de como a ocultação pode ser global?
Se os segredos fossem "revelados", ficaríamos convencidos?... Como dizia Albert Pike, o famoso mação, "revelar" é apenas colocar novo véu (velo). Tal coisa poderia ser feita numa grande encenação hollywoodesca, talvez até com  gente disfarçada de humanóides, para justificar a nossa provação (e de como os nossos dirigentes eram uns meros coitados, lutando contra forças extraterrestres)!

Não há qualquer dúvida que grande parte da humanidade foi enganada durante milhares de anos, e essa capacidade de enganar não desaparece pela simples vontade. Se somos capazes de enganar, o que é importante é ser capaz de reconhecer o engano. Se há estruturas sociais dedicadas ao engano, deveria também haver estruturas sociais dedicadas a combater o engano... caso contrário o desequilíbrio é imenso.

O maior engano das estruturas sociais é que passam a seres abstractos que se usam os indivíduos contra si próprios. Nunca nenhum indivíduo vai conseguir identificar-se à estrutura, e por isso, enquanto indivíduo, vai-se sempre sentir frágil. Pode julgar que ignora isso, por estar dentro e beneficiar da estrutura, mas não conseguirá nunca libertar-se do seu papel de simples indivíduo no meio da estrutura que o ultrapassa... 
O que uma sociedade faz de mal a um indivíduo, faz por medo a todos o que o souberem.

Bom, voltando à questão das cabeças alongadas, não posso deixar de mencionar o texto anterior Cobertura de Anedotos... onde fiz notar da semelhança das vestes dos Anedotos-Anunaki com os "bacalhaus", e também com a mitra papal. Ora, uma mitra alongada, sendo uma "cobertura" da cabeça, não pode deixar de ser referida neste contexto, porque tanto pode ter existido uma raça dominante com a cabeça alongada, como essa cobertura poderia ser disfarce, que depois levou a uma propagação desse costume entre os povos que sofriam a dominação dos outros.

No sentido da hipótese de ter havido mesmo uma raça com essa característica basta reparar numa grande diversidade de fisionomias humanas, que ainda existe, mas que seria muitíssimo mais acentuada há uns milénios atrás... e não deixo de lembrar uma figura que vi no Museu Nacional do Rio de Janeiro. Uma pequeníssima cabeça mumificada da Amazónia, da tribo dos jívaros:
Apesar de se poder ler na descrição que a cabeça foi reduzida pela remoção do crânio, o tamanho das letras dá para ter uma ideia de que tal cabeça caberá numa mão, algo que me impressionou, e que me deixou muitas dúvidas sobre a dimensão original do indivíduo liliputiano. Conhecemos a espécie que sobreviveu, mas já aqui referimos várias notícias que apontam no sentido de terem havido homens quase gigantes na Patagónia, e homens muito pequenos, pigmeus na Indonésia, na ilha das Flores, perto de Timor.

sexta-feira, 13 de setembro de 2013

Terraços na Terra, socalcos da terra

Quando vemos uma paisagem como esta,
ou como esta,
ou até como esta,
não é completamente claro para o português mais desprevenido se está ou não a ver socalcos da sua terra.
Tratam-se porém de terraços em vários pontos da Terra: 
A primeira imagem é das Filipinas (Banaue), a segunda do Vietname (Sa Pa), e a terceira do Perú (Pisac).
Estas estruturas são antigas, não resultam de importação colonizadora... já havia tradição milenar nesses pontos do globo, antes do período colonizador. Agora, é inevitável olhar para as semelhanças com a paisagem do Douro (e não só...):

Este tipo de construções agrícolas em socalcos, que abundam em Portugal, encontram-se espalhadas pelo globo... mas não em todo o globo, e não com o mesmo propósito.
Nos casos asiáticos (China, Nepal, India, Vietname, Japão, Indonésia, Filipinas, ...) serviam essencialmente a cultura de arroz, nos casos americanos (Perú, Colômbia, ...) serviam a cultura do milho, e no caso português são especialmente conhecidas para a cultura do vinho. Na Europa não será exclusivo português, pode ser encontrado em Itália (Cinque Terre), na Catalunha, e noutras costas e ilhas do Mediterrâneo, bem como na ilhas da Madeira ou Canárias... Bom, e até existe no Havai:

A construção de estruturas deste tipo não é propriamente um empreendimento privado familiar. Envolve técnica, organização e muita mão-de-obra. O facto de serem uma solução conhecida, para nós muito vulgar e generalizada, não deve tomar tal estrutura como uma ideia que ocorreria "sem mais" e que se popularizaria por toda a parte em que houvesse terrenos acidentados. Há muitos locais com terrenos acidentados em que estas estruturas não apareceram, e quando aparecem a largura e altura dos socalcos pode ser bastante semelhante, talvez uma maior excepção ao formato uniformizado seja mais notória na China:

Uma bela colecção de fotografias de terraços de arroz pode ser encontrada neste link:

Enquanto suportadas por grandes construções de pedra talvez sejam mais notáveis os terraços de Ollamtaytambo no Peru (que não deixam de nos fazer lembrar os Degraus da Maia nos Açores):
 
Terraços de Ollamtaytambo e estruturas de armazenamento.

É interessante que este aspecto megalítico presente em Ollamtaytambo, nomeadamente através dos colossais seis megalitos, ou em Saqsaywaman (nomeadamente a pegada do jaguar), apareça também numa forma muito simplificada na Villa de Leyva (Colombia) 
 
Muralhas em Saqsaywaman (Cuzco, Peru)
e cromeleche de El_Infiernito (Villa de Leyva, Colombia)

Apesar das pedras serem mais trabalhados, e podendo fazer parte de uma estrutura mais complexa, entretanto desaparecida, este cromeleche e os menires da Villa de Leyva (que se liga ao povo Muisca) não deixam de poder ser considerados semelhantes à concepção dos monumentos megalíticos europeus.

Portanto, podemos considerar a hipótese de coincidência no caso dos terraços, mas será ainda mais natural considerar que haveria um ponto cultural comum que transmitiu o mesmo tipo de concepção para a construção agrícola. A essa coincidência acrescem várias outras, nomeadamente este aspecto dos menires e cromeleches na América do Sul. 
Isoladamente cada uma das coincidências pode ser considerada natural, mas a acumulação de acasos raramente é um simples acaso. A distribuição geográfica é suficientemente estranha para se poder relacionar com uma única civilização, de tal forma é o seu carácter global. A avançarmos alguma hipótese remeteria para influências de uma grande civilização marítima que se estenderia com contactos em todo o mundo.

Depois, cada terraço tem as suas particularidades, e terminamos com o belo cenário dos Terraços de Moray (Cuzco, Peru):

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

A marcha

A percepção histórica é diferente com o passar do tempo. Hoje aceitamos que possa haver pinturas rupestres com sofisticação artística, mas nem sempre assim foi. 
O caso de Altamira é elucidativo. Quem voga contra a corrente raras vezes chega a ver algum reconhecimento das suas descobertas. Nuns casos chegou tarde, e a verdadeira maioria dos casos ainda nem sequer chegou, nem parece haver nenhuma intenção que chegue.

A história de Altamira envolve três personagens principais:
  

"Toros" terá sido a expressão com que a pequena Maria de Sautuola comunicou ao pai, Marcelino de Sautuola, a descoberta do mais notável achado arqueológico que iria mudar a visão pré-histórica. Porém, em 1880, no Congresso de Pré-História, curiosamente realizado em Lisboa, a comunicação da descoberta dos Sautuola foi uma "Tourada". O bandarilheiro de serviço era Emile Cartailhac, eminência parda da matéria pré-histórica, que liderou uma campanha de difamação, que acusava Sautuola de falsificação.

À partida, a posição de Cartailhac é justificável, como são justificáveis todas as posições cépticas, se atendermos a que nada de semelhante alguma vez tinha sido visto. Mas será justificável que Sautuola tenha morrido em descrédito, enquanto a Cartailhac, passados 22 anos, bastou escrever uma carta pública de desculpa, sob o título "Mea culpa d'un sceptique" para manter a sua posição influente na arqueologia?
O sistema é feroz contra a novidade e protector da passividade, ou mesmo agressividade, conservadora.
Portanto, foi só em 1902, depois de já descobertas muitas outras pinturas, que o sistema não tinha mais maneira de resistir à novidade. Só nessa altura há um "mea culpa", póstumo para Sautuola, e por isso pouco consolador para a filha.

Este caso de Cartailhac deveria ser bem conhecido, para se perceber como as acusações de falsificação são simples manobras de recusa, usadas impunemente pela academia bem instalada. Pode-se acusar de falsidade sem necessidade de provar que é falso, porque o sistema só exige a quem descobre mostrar que não falsificou. Este sistema de censura por inversão do ónus de prova não mudou nada, e por isso o caso de Cartailhac é pouco conhecido. Se Galileu foi julgado e condenado em tribunal injusto, a Sautuola nem sequer lhe seria dada essa importância. O sistema de censura passou simplesmente a votar ao silêncio ou descrédito quem se lhe opusesse. A aparente enorme vantagem pessoal para o acusado, que escapava a tribunal, resultava em maior ocultação na sociedade, do eventual processo kafkiano subjacente. 

Cartailhac teria pouca importância hoje, não fosse Altamira... o seu nome seria pouco mais que uma linha nos registos da academia, pelos cargos ocupados, entre eles ser curador da Academia de Jogos Florais:
 
Academia dels Jòcs Florals fundada em 1323 por Clemence Isaure, em reacção à chacina dos Cátaros.

Este texto deveria seguir aqui para o Catarismo... afinal essa Academia de Jogos Florais, com quase 700 anos é a mais velha do mundo, e surgiu como catarse, para remediar a chacina ocorrida no Sul de França, no início do Séc. XIII e que daria origem à Inquisição do Santo Ofício, por via dos resultados mais pacíficos contra os cátaros, obtidos por S. Domingos (Domingo de Guzmán). A censura imposta pela Inquisição foi assim combatida com simples poemas, aparentemente fúteis, cultivados na nobreza occitana, por Clemence Isaure. Os jogos florais seriam uma reacção literária contra o clima de terror vivido no sul de França dominado pelo espírito de cruzadas... 
Ironicamente Cartailhac, o inquisidor de Altamira, é nomeado para curador dessa antiga academia, na região occitana, que teria a maior concentração de pinturas rupestres encontrada.

Já falámos das pinturas da Gruta de Chauvet, de Lascaux, há muitas outras... mas há uma que continua algo submersa. Trata-se da Gruta de La Marche e das suas gravuras.
Repetidamente, como afinal não custa nada, aparecem as acusações de falsificação... e La Marche não foi excepção em 1937. 
O que perturba nas gravuras de La Marche?
A colecção enorme de desenhos de rostos humanos, que apontam para 13 000 a. C. foi copiada para publicação científica de Péricard. Depois as placas foram perdidas/roubadas, restando apenas os desenhos:
Rostos humanos com 15000 anos, em La Marche [imagem de geolines.ru ]

Há outros blogs com mais imagens, mas o que me interessa aqui destacar é a aparente diversidade de rostos. Há algumas caras que apenas aceitaríamos hoje como sendo caricaturas... nomeadamente algumas que fazem lembrar rostos animalescos. Seria uma grosseria do desenhador pré-histórico, do copista moderno, ou havia mesmo rostos bastante diferentes?

Atendendo à coabitação europeia de Sapiens e Neandertais, estaremos com uma amostra populacional que revela essa diferença? Há entre aqueles rostos uma ligação que remete a Neandertais?
A ideia de que os neandertais eram uma espécie diferente tem sido colocada em causa, e cada vez mais se parece entender que seriam apenas uma raça diferente, uma das evoluções do Homem de Heidelberg.

Convém perceber a lógica de conexão na evolução.
Para além do registo fóssil, já falámos das evidências de evolução na gestação, remetendo para elos comuns. Portanto, num tempo primitivo, em que não estava definido o desenvolvimento posterior, os antecessores dos diversos animais seriam os mesmos, e reproduziam-se entre si. Os antecessores dos actuais peixes poderiam cruzar-se com os antecessores de salamandras, de tartarugas, galinhas, coelhos ou macacos. Repare-se que não estava fechada nenhuma caixa de "espécie", porque essas espécies nem sequer estavam definidas. Nessa fase a diversidade revelava-se a outro nível, o que já estaria vedado seria ao nível dos reinos - seria possível o cruzamento entre antecessores de animais, mas não um cruzamento com antecessores de plantas, como é óbvio. Só que esse "óbvio" era fruto de uma evolução, porque antes da separação de reinos, as células eucariotas que deram origem aos vegetais teriam podido cruzar-se com as células eucariotas que deram origem aos animais.

A reprodução teve uma evolução progressiva que fechou caixas. Os descendentes de uns deixaram definitivamente de se poder cruzar com os descendentes dos outros. A diversificação foi feita de forma estanque, e há uma separação grosseira, algo empírica, que permite ver diferentes fases:
- Reino, Filo, Classe, Ordem, Família, Género, e finalmente Espécie.
Esta classificação é pouco útil porque há cruzamentos fecundos dentro do mesmo género, e não apenas dentro da mesma espécie. Há até cruzamentos viáveis, mas não completamente fecundos, dentro da mesma família, como é o caso do Ligre, ou do Tigreão, cruzamento entre tigre e leão:
Um ligre (de nome Hércules) o maior felino conhecido.

A classificação de Lineu foi resistindo, e a academia tem a habitual inércia em fazer as necessárias modificações e esclarecer as noções. O conhecimento biológico sofreu de uma ignorância ainda maior, e apenas recentemente algumas matérias fundamentais têm sido esclarecidas, o que deixa alguma dúvida sobre a existência de um registo anterior. Se existiu, parece ter sido perdido no meio de tanta ocultação.
Numa observação que fiz há uns meses num comentário, permite entender que o impedimento de cruzamento fora da mesma espécie é uma restrição posterior. Antes, o impedimento de cruzamento estaria colocado a um nível superior, ao nível da família, e assim sucessivamente.

Por isso todos os elementos do género Homo poderiam reproduzir-se entre si, e se houvesse outras espécies é natural que ainda hoje se pudessem cruzar com viabilidade. Nada impediria pois o cruzamento entre Neandertais e Sapiens, especialmente no passado, como a descoberta do Menino do Lapedo veio sugerir.
Acresce que muitas das pinturas rupestres estão na zona de espaço e tempo que é atribuída aos Neandertais. A mais recente descoberta das pinturas na Gruta de Nerja, com a datação de 42 mil anos, coloca o registo numa data em que não haveria Sapiens na Europa:
As mais antigas pinturas em Nerja, Espanha... são de Neandertais?
A datação de 42 000 anos sugere isso mesmo [artigo do Dailymail]

Portanto, o desaparecimento Neandertal terá sido mais um desaparecimento morfológico, dado que o aspecto físico destes seria menos "sexy" do que o aspecto dos Sapiens que vinham de outras paragens. Não se trataria de outra espécie, mas apenas de outro aspecto (algo que tem sido invocado por J. Zilhão)!
Os rostos que vemos na colecção de La Marche sugerem isso mesmo... uma grande diferença de formas, umas com aspecto algo "grotesco", e dessa grande diversidade houve uma escolha de cariz sexual que nos diferenciou apenas por aspectos físicos. Também não seria de estranhar que a maior capacidade craniana dos Neandertais levasse a que fossem esses os primeiros grandes inventores humanos, pelo que é natural que as pinturas possam ser associadas à sua presença, ou da sua descendência... havendo estudos que indicam a presença até 4% de genes tipicamente neandertais em alguma da população, especialmente europeia. Acresce ainda a presença de 4% a 6% de genes de melanésios, ver artigo da wikipedia:
o que nos remete de novo para uma eventual migração humana que remonta a paragens do Sul Asiático e Oceânia, conforme já sugerimos.

Termino, referindo apenas um aspecto importante. A separação da árvore evolutiva, que impediu o cruzamento para além da família-espécie, teve aspectos decisivos pela definição de um número - o número de cromossomas... esses 46=23+23 cromossomas definiram a espécie humana e fecharam a nossa caixa reprodutiva. Não somos os únicos animais com esse número (Palanca NegraReeves Muntjac) nem esse número será decisivo fora da família (a batata e o gorila têm ambos 48 cromossomas!!... ver lista), mas revela-se importante para o cruzamento sexual dentro da mesma família biológica. Ou seja, houve um último salto evolutivo que determinou esse fecho, após outros fechos anteriores.
O que determinou esses saltos evolutivos... ou seja, quando é que o número de cromossomas passou a ser determinante para possibilitar ou não um cruzamento, pois isso é uma questão mais complicada! Uma coisa é ver os passos da marcha, outra coisa é compreender a marcha, e saber se haverá novos passos.
Aí remetemos às considerações mais filosóficas.
em 12/9/2013.

domingo, 8 de setembro de 2013

Quinotauro de Chauvet

Devo começar por dizer que o título não é meu, vem emprestado de um texto noutro blog :
juntamente com a figura que o justifica:

Esta representação mista de um touro e de um ventre feminino está na Gruta de Chauvet, e terá perto de 30 mil anos. Estamos portanto na época do Paleolítico, e quando foi descoberta, em 1994, esta gruta teria as pinturas rupestres mais antigas até então. 
Aqui ultrapassa-se claramente a simples representação literal, há uma composição pensada, ao ponto da perna do touro se confundir com a representação da perna feminina.
A questão sobre uma alusão ao mito do Minotauro coloca-se com muitos milhares de anos de diferença!

O nome "Quinotauro" é invocado nesse blog devido a uma lenda francesa antiga, do período merovíngio, do Séc. VII. O rei Meróvis, fundador da linhagem Merovíngia, teria sido gerado por um "quinotauro marinho", de acordo com a Crónica de Fredegar (ou Fredegário). A menção "quino", o número 5, parece dizer respeito a uma representação de Neptuno com o tridente (3) mais os cornos (2). A lenda reportada por Fredegar insere-se numa época suficientemente obscura, e já aqui mencionámos o registo lendário de Fredegunda, Brunilda, bem como o registo que leva à lenda dos Nibelungos, imortalizado pela ópera de Wagner (e também na fantasia do Senhor dos Anéis).
Curiosamente a Crónica de Fredegar parece ter sido continuada por ordem de Childebrand, um filho de Pepino II, que dará origem à linhagem Nibelunga, enquanto um outro filho, Carlos Martelo, será avô de Carlos Magno. A vitória de Carlos Martelo contra os muçulmanos em Poitiers, em 732 d.C., será decisiva não apenas para a circunscrição dos mouros apenas à península ibérica, mas também para terminar com a dinastia merovíngia. Desde Pepino I que os mordomos-mor já eram efectivos regentes, enquanto os reis merovíngios eram considerados reis-mendigos, tal era a sua ausência de poder ou riqueza. A vitória contra os mouros deu apenas o pretexto aos carolíngios para apresentar formalmente o poder real que já se conhecia nos bastidores do palácio, em que os "mordomos" passaram a efectivos governantes.

Bom, mas sobre esta época mítica francesa, já falámos no texto Tabula Peutingeriana.
Interessa aqui voltar à figuração representada, independentemente de ser interessante o mito taurino reaparecer na Creta do rei Minos, ou depois como legitimação mítica da dinastia Merovíngia.
Tendo visto o filme-documentário "Gruta dos Sonhos Perdidos" de Werner Herzog, dedicado em exclusivo à Gruta de Chauvet, o tema das pinturas rupestres regressou com novas interrogações.

Primeiro, o fecho da gruta é aqui acidental, provocado por uma derrocada que tapou a entrada, deixando preservado um museu vivo com 30 mil anos. Depois, esse retrato da vida pré-histórica parece bem diferente do que é comum pensar. Um aspecto notável é que a gruta não servia então para habitação, não se encontram restos humanos, nem vestígios de restos alimentares. Acresce que só havia pinturas em locais remotos, bem no interior da gruta, pelo que a gruta teria um propósito ligado às representações e a eventuais cultos associados. 
Onde habitavam então aqueles pintores? 
A gruta está muito perto de uma notável formação rochosa, denominada Pont d'Arc, e é nessa zona que foram encontrados em escavações alguns vestígios paleolíticos.
Pont d'Arc, a centenas de metros da Gruta Chauvet.

Não me atrevo a dizer se Pont d'Arc é ou não natural... é certamente uma estrutura rochosa notável, com uma enorme abertura arredondada numa espessa rocha. Se aquela abertura não existisse as águas deveriam subir umas dezenas de metros formando cascatas, e a zona jusante estaria sujeita a inundações. Assim, o fluxo do rio ficou regularizado, e as águas de Neptuno penetram a dura rocha da mãe Terra pela abertura.

A gruta permanece fechada ao público, com os compreensíveis argumentos de protecção, mas que são de tal forma exagerados, que Werner Herzog se queixa moderadamente da sua circunscrição a um trilho muito bem definido, e a um efectivo impedimento de filmagens para além do estipulado.

A questão da datação fica aqui difícil de contornar porque algumas pinturas tinham já uma deposição de cristais na parede, por cima das figuras, acusando uma grande antiguidade. Havia estalagmites formadas em cima de caveiras de ursos, mas nada vi que aponte para tantos milhares de anos. Essa conclusão resulta da datação por Carbono 14 e especialmente pelas imagens representadas, com a fauna que deixou de existir - nomeadamente rinocerontes com um unicórnio muito mais proeminente do que o habitual.

Ficam diversas questões. A datação por Carbono 14 apontava diferenças entre as pinturas na mesma parede que podiam ir até 5000 anos... e pergunta-se 5000 anos?
Que civilização mantém 5000 anos de tradição sem um desenvolvimento?
Os arqueólogos da pré-história parecem tratar milhares de anos como se fossem dezenas.
Compreendia-se um intervalo de 50 anos, com muito maior dificuldade de 500 anos... mas 5000 anos?
Estamos a falar de um período que vai desde as primeiras pirâmides egípcias até hoje, não estamos a falar do tempo como um número qualquer. 5000 anos é o tempo da civilização humana conhecida, e o que se passou nesse período não se resumiu a olhar para o curso de um rio e dar um retoque numa pintura.
Acho que tem que haver limites para o ridículo, e devemos ser críticos, com bom senso. 
Ninguém pode dizer, sem se rir, que houve ali uma população que se dedicou à pesca de rio durante 5000 anos, que tinha uma gruta onde alguém fez umas pinturas notáveis, e esperaram milhares de anos para uns retoques e novidades.

Outro problema complicado é a singularidade artística das pinturas. À excepção das grutas não se encontram outros vestígios correspondentes. Mesmo as mais formosas Vénus, encontradas em escavações, têm habitualmente um traço tosco, quando comparado com o que ali se vê em termos técnicos.
Qual a explicação?
A explicação mais convincente parece-me ser uma casta de conhecimento. Ou seja, insisto na ideia de que haveria uma classe sacerdotal, de xamãs, que controlava a população. Essa teria acesso à gruta, e preservaria as representações dos olhares restantes. Há uma pegada de uma criança de 8 anos, que poderia ser um iniciado. 
Durante um número indeterminado de gerações, os xamãs controlariam um conhecimento e deixariam a restante população num estádio muito inferior de desenvolvimento, para mais fácil controlo. Isso explicaria que as esculturas encontradas sejam razoavelmente toscas... são meros artefactos feitos a partir do estádio zero de desenvolvimento, repetidos sem um acumular de conhecimento. O conhecimento acumulado era apenas passado para o novo candidato a xamã, escolhido desde tenra idade, com a missão de preservar o "jardim do paraíso". 
Fariam o papel de deuses, tentando evitar que o progresso destruísse a harmonia que controlavam.
O avanço civilizacional resultou da obstinação de muitos, que quiseram abrir a Caixa de Pandora, apesar de todas as restrições colocadas pelos "deuses de serviço". O maior perigo... a tentação do xamã, a necessidade de preservar o seu estatuto sigiloso. Afinal, ainda que passasse as provações necessárias para a sua fidelidade última, bastaria uma paixão feminina para transformar a cabeça do homem numa besta taurina, deitando a perder uma herança milenar de segredos. Sem o controlo dos xamãs, o que seria daquela herança de deuses, daqueles que prescindiam do seu "eu" para serem "de eus", de todos os "eus"?

Repare-se, se houve pinturas que resistiram em cavernas durante tantos milénios (não importa se foram 30 mil ou apenas 10 mil anos), se se tratasse de uma faculdade popular, por que razão não haveriam de ser comuns os registos de pinturas em tantas grutas que há? Não são comuns, porque se tratava de um conhecimento muito restrito, detido apenas pelos xamãs - não era do conhecimento da tribo inteira. De entre as crianças que mostravam algum génio, eram seleccionados os herdeiros da tradição, e procurava-se reprimir o génio dos outros. Todos os vestígios eram sucessivamente apagados, a memória ficava no xamã, não passaria de pais para filhos, e toda a nova geração era educada como se nada existisse antes.

Uma filosofia destas só pode ter sido imposta após um acontecimento deveras traumático. Ou seja, deveria haver locais precisos, em que se reunissem provas de tal forma contundentes do que se tinha passado antes, que nenhum aprendiz alguma vez ousaria quebrar o protocolo, perante o perigo de nova catástrofe. Ao estilo de Noé, quem sobrevivesse ao "dilúvio" teria feito um compromisso de preservar a civilização do perigo da auto-destruição, e arranjou forma de o fazer por uma tradição estanque, à prova de tentações próprias. Essa seria razão mais que suficiente para uma herança elitista de secretismo. O mais curioso numa estrutura destas é que ninguém terá completa certeza de ser o último na pirâmide de controlo... só poderia aferir isso se ousasse quebrar por completo o compromisso, pondo em risco a própria segurança pessoal.

Como é óbvio, o traço certo e seguro, ou a técnica artística presente em Chauvet, Lascaux, Altamira,  etc... denunciam que estes não teriam sido nem os únicos, nem os primeiros, nem os últimos lugares onde se passou essa herança.

sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Antes Maroiços e Antas

A Associação Portuguesa de Arqueologia, APIA, através de Nuno Ribeiro e Anabela Joaquinito, tem vindo a publicitar várias descobertas nos Açores. Praticamente todos os anos estamos com novidades, e desta vez são estruturas piramidais, denominadas "Maroiços":

Maroiços no Pico (Madalena) [esq: foto Expresso, dir: foto Artazores]

É claro que só se tratam de descobertas para quem não sabe... e a questão mais uma vez é atribuir uma autoria, já que ao contrário da Grota do Medo, duvido que alguma sumidade nacional arriscasse uma versão natural para tais construções. Há ainda assim alguns limites para o ridículo. Mais uma vez, há uma versão oficial que atribui tal obra aos agricultores, dentro do quadro da Paisagem da Ilha do Pico.
Já tinhamos mencionado no texto "Degraus da Maia" que os muros da Ilha do Pico tinham sido classificados na lista WHC da UNESCO, o que nos pareceu algo estranho, mas meritório. Estranho, porque não parecia haver nada de tão extraordinário naqueles muros, que não se encontrasse frequentemente em serras portuguesas... conforme já referimos na zona da Serra dos Candeeiros, não longe de Fátima, há vários quilómetros quadrados cheios de muros, que dão ideia de cidadelas abandonadas no tempo.

Ora, uma coisa é haver uma sensação visual, outra coisa é arriscar dizer que se tratam de monumentos arqueológicos. Neste caso dos "Maroiços" é nítido que há uma construção piramidal, a questão é saber se tal obra se pode reportar a período anterior à colonização oficial portuguesa... ou se são apenas construções agrícolas mais recentes. A notícia do Expresso:
dá a entender que há vários factores que podem apontar para ser construção antiga. Nomeadamente a semelhança com estruturas semelhantes noutras ilhas (e.g. dos guanches nas Canárias), o facto de terem câmara interna (falsa abóbada), e a orientação solar. Apenas estes factores estão longe de ser decisivos, e seria fácil rebater tal hipótese... O problema é que também é difícil de acreditar que os agricultores açorianos andaram a copiar construções arqueológicas antigas. Já são pelo menos 3 ou 4 monumentos bem distintos que invocam uma presença anterior à versão oficial portuguesa.

O nome Maroiço não é exclusivo açoriano. Há uma serra perto de Fafe que se chama Serra do Maroiço, e esse nome já foi associado pelo arqueólogo Luis Chaves (1951) à presença de antas:

Nesse texto, Luis Chaves, faz uma pequena síntese de topónimos que poderiam invocar essa ligação.
Deixo aqui um breve resumo das diversas palavras que ele associou na toponímia nacional:
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Altar (ex: Anta de Altar, Mamaltar).
Anta (ex: Pedra d'Anta, Vale de Antas, Antadega, Anto).
Antão, Antões: : aumentativos de Antas.
Ante (ex: Penedante, Pedra Dante, Touça Dante, Antemil)
Antela, Antelas, Antaínha, Antoínha : diminuitivos de Antas (Antanhol).
Arca (ex: Fraga de Arcas, Pena de Arcas, Arcã) : montes de terra.
Arcaínha, Arcanha, Arcela, Arcelo, Arquinha : diminuitivos de Arcas.
Arcal, Arcais, Arcão : aumentativos de Arcas.

Casa : "nome comum às antas e às lapas, covas, etc."
Casarelo, Casinola : diminuitivo de Casa.
Cova : similar a Casa, pode não ser Anta.
Covelo : diminuitivo de Cova.

Forno : "por semelhança construtiva com fornos".
Fundo : similar a Cova, Casa.

Lagar : por "sugestão de capacidade e imagem dos lagares".
Lagarão : aumentativo de Lagar.
Lagareta : diminuitivo de Lagar.
Lapa : (gr. lapados) rochedo, "a Anta formada por esteios e coberta" (Lapa dos Mouros, Lapa da Orca)

Madorra: monte de pedras miúdas ou cascalho.
Medorra, Modorra, Mudura, Madorrinha : vem de Madorra.
Mamôa: "monte, colina, ou proeminência de terra", arredondada, "semelhante a peito".
Maroiço, Marouço, Maroço, Meroço, Tulha : "monte de seixos".
Mêda : "monte de pedras".
Monte : "o monte de pedras quando a Anta não tinha cobertura de terra".
Montilhão : aumentativo de Monte.
Moimento : vem de Monumento, Leite de Vasconcelos dizia ser de Antas desaparecidas.

Orca : "grande vaso de barro ... conserva de peixe seco", passou a designar habitação mítica (Casa da Orca, Lapa da Orca, Pedra da Orca, Orca das Orcas).

Padrão, Padrões, Pedrão, Pedrões : "pedra grande, o conjunto da anta" (Anta dos Padrões, Antela da Mamoinha do Senhor do Pedrão)
Pala : "pedra horizontal sobre outras (Pala da Moura).
Pedra : "a pedra formada pelo todo da anta, ou conservada de pé (Pedralta, Pedra do Altar, Pedra da Anta, Pedra da Orca).
Penedos : "associado o nome às antas que os formam" (Penedante, Penedo de Anta, Penedos de Arcas)

Sepultura: "associação ao uso sepulcral".
Touça, Touca, Toutiço ou Touta : toma a forma de cabeça.
Urna : "vaso onde se guardavam as cinzas dos mortos".
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Esta lista organizada por Luís Chaves é extensa, mas creio que ainda faltam associar outras palavras que se ligam a construções antigas, como por exemplo Fragas, Azambuja, Zambujal, Zambujeiro, etc...
Ainda que não tenham resistido os monumentos, houve um registo de nomes que ainda não se perdeu, e que nos liga a tempos imemoriais.

Aditamento (08/09/2013):
Por lapso ao compor o texto falei dos guanches, mas esqueci-me depois de explicitar a relação destes Maroiços com os Marajos, as pirâmides das Canárias, colocando uma imagem ilustrativa:
Pirâmides de Guímar, Tenerife (Canárias)

Também no caso espanhol é suposto que estas pirâmides sejam já posteriores à ocupação espanhola, não sendo reconhecido oficialmente que remetam aos guanches. No caso das Canárias, como é reconhecido uma habitação anterior pelos guanches, não se coloca a questão das ilhas serem desabitadas, o problema é que a estrutura parece ter sofrido alterações ou reconstrução no Séc. XIX, pondo em causa um registo mais antigo. Também no caso canarinho, foi demonstrada uma orientação solar dos monumentos.

Para quem queira ver nestas construções uma obra agrícola de camponeses europeus, deve explicar por que razão tiveram a mesma ideia os agricultores do Pico e de Tenerife, e porque razão tal construção não tem tradição nos países de origem, em Portugal e Espanha. Justificação complicada... boa sorte!

Contribuição (Sid, 17-11-2013):
Na última coisa que aqui escrevi, disse faltar uma justificação para o aparecimento destas estruturas agrícolas. Tendo a sorte de ter o comentário de Sid, natural da Ilha do Pico, sobre este assunto, creio que esclarece no outro sentido. A característica específica dos terrenos vulcânicos levaria a este amontoar de pedras ordenado.
Os arqueólogos da APIA, que certamente ouviram estas explicações dos agricultores, deveriam ter tornado públicas as razões pelas quais não ficaram convencidos.
Pela minha parte, dou o devido destaque a ambos, e a conversa segue na caixa de comentários.

-- Comentário de Sid --

Atraquei aqui porque o assunto diz-me respeito, pois sou natural do Pico e fui criado no sopé daquela montanha.
O meu contributo para a questão é simples e curto, pois eu próprio em criança fazia deles o meu castelo e em jovem ajudei meu pai a construir alguns (pequeninos) ao limpar o chão dos terrenos para torna-los próprios para as sementeiras e diversas culturas próprias de quem vive da terra. 
Como tal, passo a descrever os maroiços em causa, e até dou, de boa vontade, uma ajuda na compreensão razão para agora estas gentes andarem a estudar estes amontoados de pedras.
Diversas áreas da ilha do Pico são de solo coberto de pedra basáltica, digo coberto porque refiro-me a uma camada que pode variar em espessura, mas é muito comum, depois de se escavar meio metro ou um metro encontrar terra própria para cultivo. Esta característica, quanto a mim, é fruto de erupções vulcânicas intercaladas por grandes períodos de tempo, na ordem dos milhares de anos, tempo suficiente para que a erosão natural forme terra arável mas que depois acaba por ser coberta por um manto de lava. Manto este que actualmente, já em forma de pedras soltas e cascalho definem o solo de grande parte da paisagem do Pico, principalmente aquela localizada no sopé da montanha, como é o caso da vila da Madalena.
Os maroiços, começam a nascer a partir do momento em que alguém limpa uma qualquer área que nunca havia sido usada para cultivo, estes variam de dimensão consoante o tipo de cultura ou a quantidade de pedras existente sobre o solo. No caso da vinha, que é muito comum nas áreas em questão e onde por sinal a paisagem e o solo são a imagem de marca dos vinhos do Pico, bem como paisagem classificada pela UNESCO desde 2004. Ora, o processo original de trabalhar solo desta zona para o cultivo a vinha, consistia em abrir uma pequena cova entre as pedras, introduzir terra e nessa terra plantar a videira, com as pedras maiores que se encontravam sobre o solo, faziam-se os muros que servem de abrigo ás videiras, contra os ventos, e ao mesmo tempo que se faz obrigo arruma-se a pedra duma forma rápida e pratica. Para os casos em que há maroiços, esses surgem naturalmente quando estes muros não chegam para arrumar toda a pedra, então num canto ou mais cantos de uma determinada parcela levantavam-se muros, dispostos em formas variadas - circular, rectangular, triangular ou quadrangular, para reter as pedras que posteriormente foram depositadas no seu interior. Estas construções variam muito de tamanho, algumas vão crescendo com o passar dos anos, conforme o área em redor vai sendo explorada, principalmente nos casos em que a cultura é de sementeiras. Nestas, sempre que se trabalha a terra, surgem pedras entre a terra, que são recolhidas e depositadas no maroiço, o que leva à necessidade de reforçar este com a construção de mais um "andar" fazendo com que estes formem pirâmides. Ainda é de salientar que em tempos passados estas terras eram a base da economia da ilha, era comum ver nestas terras famílias inteiras a trabalhar de sol a sol, levavam almoço, levavam as crianças e era para maroiço que se atirava tudo o que era lixo e sólidos encontrados no chão da propriedade onde esta localizado, daí ser frequente encontrar restos de loiças, restos metálicos, conchas de lapas (marisco muito apreciado nas ilhas) etc. 
Estas ideias recentes que tem surgido em torno destes montes (organizados) de pedra, são isso mesmo, ideias.

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Afonso Henriques e Ourique (2)

A independência portuguesa tem aspectos de acidente circunstancial.
Do ponto de vista das populações não é muito natural a quebra de ligação à Galiza, ainda que as dioceses de Braga e Santiago se definissem por conventos territoriais distintos. A Galiza e Minho não faziam parte da Lusitania romana, mas praticamente definiram em conjunto o reino suevo que sucedeu.
O reino de Leão seria um natural sucessor dessa junção, e a independência portuguesa acaba por mergulhar mais numa questão de heranças e no sucesso de Afonso VI, rei de Leão, avô de D. Afonso Henriques, que conquistando os tronos aos irmãos se consagra Imperador da Hispânia.
O final do Séc. XI é o tempo de Afonso VI, mas também do lendário Cid, o Campeador, e do início das Cruzadas que levam Godofredo de Bulhão à conquista de Jerusalém.
A luta contra os muçulmanos assume aspectos decisivos que conquistam grande adesão das populações e torna-se assim numa época lendária, com duas frentes bem definidas - uma na Península Ibérica e outra directamente na Terra Santa.

Afonso VI, então já rei de Leão e Castela desde 1072, para além de anexar Toledo e a sua taifa, em 1085, chega mesmo a conquistar Lisboa e Sintra. A posição das taifas muçulmanas ibéricas fica fragilizada, o que origina uma resposta com auxílio árabe do norte de África, na Batalha de Zalaca, em 1086, onde Afonso VI defronta quatro reis árabes, e onde nem mesmo o lendário Cid evitará a derrota cristã. Grande parte dos territórios conquistados, inclusive Lisboa, regressará a mãos muçulmanas.

Neste final de século inicia-se um movimento dirigido contra os reinos muçulmanos, onde uma boa parte da nobreza europeia, especialmente das regiões francesas, irá procurar a sua glória. Se Cid tinha conquistado a sua quota de fama nas canções populares, apesar da derrota em Zalaca, o estatuto de Godofredo de Bulhão, ao reconquistar Jerusalém em 1099, foi elevado quase a uma segunda vinda de Cristo.
Os irmãos de Bulhão, do condado de Bolonha (Boulogne-sur-mer, Bouillon), tinham a sua mãe colocada como Santa Ida... e a Ida era a reconquista da Terra Santa. Após Godofredo, seria o irmão Balduíno o primeiro rei de Jerusalém. O nome Balduíno seria usado pela Casa da Bélgica para afirmar essa filiação a Bouillon, ou seja, ao Bulhão e a tais heróis da reconquista cristã. A empresa que o Infante D. Henrique lançará contra Tanger terá a designação de "Ida", suficientemente ambígua para invocar a filiação ao Bulhão.

É nesta parte da história que entram os condes Raimundo e Henrique, que irão casar com Urraca e Teresa, filhas do imperador Afonso VI. Teresa é a mãe de D. Afonso Henriques, e Urraca, mais velha é a sucessora do pai na herança imperial. Dado esse estatuto imperial, Teresa podia mesmo assinar como rainha de Portugal, mantendo vassalagem à irmã.
D. Urraca ao centro, com a irmã Teresa (à direita) 
e o posterior amante Fernão Peres Trava.

Raimundo e Henrique são tidos como borgonheses, porém Damião de Goes vai fazer a sua investigação pessoal, concluindo que Henrique seria afinal descendente da linhagem do Bulhão. Já abordámos a sustentabilidade dessa tese (com a colaboração de Calisto) aqui:


O casamento de Teresa com Henrique é em 1093, dois anos antes da partida de Godofredo que irá liderar a 1ª Cruzada com sucesso em 1099. Portanto, seria algo natural que Teresa, filha ilegítima de Afonso VI tivesse um casamento com menor importância do que o de Urraca, herdeira do trono. Raimundo poderia ser  filho do Conde da Borgonha, mas a documentação de Goes aponta para que Henrique não fosse seu primo.
Esse casamento de menor importância de Teresa, revelar-se-ia afinal, pouco depois, como uma herança significativa para D. Afonso Henriques se o pai Henrique fosse sobrinho dos reis de Jerusalém.

Pode assim perceber-se que a situação ficasse incómoda para D. Urraca e para o filho Afonso Raimundes, futuro Afonso VII, primo de Afonso Henriques, que iria consagrar-se como Imperador da Hispânia. O casamento de Teresa, passava a ter uma importância que transcenderia o de Urraca, e é natural que esses factos tivessem procurado ser abafados à época. Isto iria no sentido de confirmar a tese de Damião de Goes, e a versão dos dois primos borgonheses seria um remendo conveniente à história.

O Conde D. Henrique, para além de se ter notabilizado numa efémera conquista de Sintra em 1109, terá mesmo visitado o Reino de Jerusalém, onde supostamente reinaria o tio Balduíno. Esse seria um trunfo de Teresa, uma filha ilegítima, que passa a assinar como "rainha", ainda que mantivesse vassalagem à irmã.
Quando o problema passa para os filhos, D. Afonso Henriques vai mesmo recusar a vassalagem ao primo imperador, Afonso VII.

É assim neste contexto que a Batalha de Ourique assume uma importância significativa.
Afonso VI tinha conseguido conquistar territórios até Lisboa e Sintra, e o Conde D. Henrique teria mesmo recuperado Sintra, só que muito provavelmente de forma diferente.
Repare-se que a incursão não é a Leiria, que seria o castelo mais próximo, vai mais longe, a Sintra.

Tal conquista efémera sugere uma abordagem naval. Um desembarque em território inimigo.
Esta seria a mudança que se iria introduzir nas conquistas portuguesas. Está bem documentado que a conquista de Lisboa se deveu a um auxílio com cruzados estrangeiros que rumavam à Terra Santa.
Essa deve ter sido a estratégia tomada pelo Conde D. Henrique no ataque a Sintra e seguida pelo filho Afonso Henriques no ataque que o levou a Ourique.
Há vários dados que sugerem essa abordagem, e que expusemos no primeiro texto sobre este tópico:


A isso acresce uma preciosa informação que nos foi facultada agora pelo comentador apostolo, e que passo a citar:
Nos almanaques alentejanos dos anos 1950-60 o arqueólogo Prof. Abel Viana, põe a hipótese, segundo lendas locais, que D. Afonso Henriques subiu o Rio Mira e atacou o Castro da Cola - Marachique, vindo os seus soldados dissimulados com estevas - notar que nessa altura os Cruzados ajudaram os portugueses com os seus barcos e armas, na conquista de Lisboa, Santarém, etc. Havendo provas muito recentes de que Ricardo Coração de Leão levou os seus barcos até Odemira - para abastecimento, na passagem para o Médio Oriente. (Até aos anos de 1950 os veleiros de 2 mastros atracavam no cais de Odemira).
Portanto, por outras razões, o Prof. Abel Viana chegou praticamente à mesma conclusão, ou seja que o ataque a Ourique teria começado por Odemira, através de iniciativa naval.
Isto não deve surpreender, porque a novidade trazida pelo movimento dos Cruzados em direcção à Terra Santa iria fazer-se sobretudo por via marítima e implicaria algum domínio dos mares.

Esse era o contributo novo que Afonso Henriques trazia com o novo reino de Portugal, o que se for acrescido à eventual descendência do Bulhão, lhe daria razões suficientes para reclamar para si um reino independente que respondesse apenas perante o papa, e não no quadro peninsular, de vassalagem ao primo. Em 1143, ainda antes da conquista de Lisboa, Inocêncio II reconhece o título de rei, mas é só em 1179, pouco antes de morrer, que Afonso Henriques verá reconhecida a dependência exclusiva pelo Papa Alexandre III, numa altura em que o primo morrera, e já não havia imperador da Hispânia.

Tem-se procurado questionar ou desvalorizar a Batalha de Ourique, porém parece pouco verosímil que Afonso VII de Leão e Castela impondo-se como imperador ibérico tivesse anuído à constituição de um novo reino sem nenhuma batalha ou facto decisivo. Sem a importância de Ourique, ou a ascendência, os feitos de Afonso Henriques não justificariam um Tratado de Zamora, onde surge como igual perante o imperador, ainda antes da conquista de Lisboa. Para a consolidação dessa independência será importante as concessões feitas às ordens religiosas, nomeadamente à Ordem de Cister do Mosteiro de Alcobaça.
Estátua de D. Afonso Henriques no Arco da Memória
Actualmente junto ao Castelo de Leiria. [foto]

A própria invocação de S. Vicente, e da barca com os corvos, do brasão lisboeta, sugerem uma extensão de domínio naval que se estendia até ao Cabo de S. Vicente, e que teria como figura principal o almirante D. Fuas Roupinho. As incursões de resposta muçulmana que se seguiram vieram pela parte terrestre, e a linha marítima esteve desde essa altura consolidada, com o apoio das rotas dos Cruzados que se dirigiam à Terra Santa por via marítima. O reino português seria constituído por essa ligação à reconquista de Jerusalém, tema que seria perseguido como motivação militar nos descobrimentos - a táctica da cunha no ataque pelo Suez por via do Mar Vermelho.
Acabava por resultar dessa proeza dos Cruzados liderados pela família do Bulhão, Godofredo e Balduíno, prováveis tios-avôs de Afonso Henriques... mas também da aceitação natural de um reino no contexto imperial ibérico. A península só voltaria a ter imperadores com Carlos V e já no contexto europeu.
A tentativa anterior de colocar a península ibérica sob controlo do Sacro-Império Germânico tinha sido derrotada em Roncesvalles, quando os exércitos de Carlos Magno foram derrotados pelos bascos nos desfiladeiros dos Pirinéus. Curiosamente, a Canção de Rolando ou a saga Orlando Furioso, iriam contar uma história diferente, de guerra entre o exército de Carlos Magno e os sarracenos, quando na realidade tinham sido os próprios ibéricos, os bascos, a repelir a invasão. A península afinal só cederia a uma invasão externa com os exércitos de Napoleão.