sábado, 12 de dezembro de 2015

Véus (3)

Conforme pudemos ler no texto anterior, o autor anónimo começa por duvidar do início da maçonaria à época de Cromwell, remetendo a sua origem a paragens setentrionais, escandinavas. 
Não esquecendo essa vertente mais normanda, que o autor não explica, e que brevemente abordámos (por exemplo aqui), convém salientar que a própria revolução, que decapita Carlos I e colocou Cromwell no poder, feita em forma de guerra civil, tem toda uma semelhança com actuações maçónicas posteriores. Portanto atendendo ao modus operandi que levou à ascensão de Cromwell, tudo indica que uma forma de "maçonaria" estava já presente em Inglaterra, bastante antes de Cromwell.
O que parece claro é que à época do Grande Incêndio de Londres, no ano "satânico" de 1666, a cidade estava pronta a acolher a sede do novo poder, e cinquenta anos depois, o ano de 1717 terá sido apenas um início formal, reconhecido pelos maçons. Ou seja, desde o momento em que Henrique VIII quebrou com o papado, e abriu espaço a uma Igreja Anglicana, que a Inglaterra parecia querer reclamar a sua herança de Eboracum (não Évora, mas sim York), onde Constantino foi aclamado imperador.
Constantino é aliás considerado um "santo", e "igual aos apóstolos", mas não é pela Igreja Católica... já que parece claro que Roma não apreciou a deslocação do centro de poder para Bizâncio.
Assim, essas virtudes santificadas são reconhecidas apenas pela Igreja Ortodoxa e pela Igreja Anglicana, enquanto a Igreja Católica parece guardar a santidade para Santa Helena, sua mãe, pouco relevando das santas virtudes do filho que impôs o cristianismo como religião imperial.
Alguns ingleses sempre prezaram a ligação imperial de Constantino, e quando tomaram Nova Amesterdão, a velha York foi aí celebrada como "nova". Mais tarde, tiveram o cuidado de assegurar a Napoleão uma estadia na ilha com o nome da mãe de Constantino.

Prosseguindo a transcrição do 1º Capítulo, o autor vai citar algumas vezes a obra de "M. Guillemain de São Victor", que presumo ser esta:
Recueil Précieux de la Maçonnerie Adonhiramite 
por Louis de Guillemain de Saint Victor

Aí há uma procura de ligação entre as iniciações maçónicas e as iniciações pagãs existentes nas religiões egípcia e grega, pretensão que é colocada em causa. Não é tanto colocado em causa o método de iniciar numa "Obediência", porque esse terá semelhanças registadas, dado que o propósito colocado ao fiel é mesmo o objectivo de uma mera obediência.
A questão principal é a de saber se havia uma herança de mistérios antigos, ou de mistelas antigas. Confusão tanto mais relevante, quando vimos que místico pode servir como sinónimo de simples mistura. Menos interessante se ainda ponderarmos sobre a origem profana da palavra "misto", lida aqui como "mijto", e remetendo a antigas artes divinatórias relacionadas com coprologia, ou estudo de entranhas. 

Dando o exemplo das falácias de Cagliostro, cavaleiro da Malta, o autor parece indiciar que do místico e dos mistérios restava uma mistela mista. Acontece que, como se percebe na interpretação de arte abstracta, é extremamente fácil inventar tudo baseado em nada de objectivo. Quanto menor for a objectividade, maior for a mistura, e menor a clareza, mais fácil é arrastar o incauto para o reino da reflexão sobre coisa nenhuma, pintando-a como reflexão sobre tudo. A grande diferença ao encarar as sinas ciganas, as runas celtas, ou os testamentos judaicos, é essencialmente uma questão de estatuto adquirido. 
Um grande objectivo é colocar o iniciado no patamar zero, e mostrar-lhe uma escada com degraus, esperando que siga o caminho, sem lhe especificar nenhum caminho a seguir. Enquanto o iniciado estiver entretido em compreender o que está feito, não percebe nada do que tem a fazer.

É praticamente o mesmo processo do que pedir a uma criança para ir contando os números que conseguir... umas crianças param aos cem, só as mais burras chegam aos mil, mas o objectivo educador é fazer a criança perceber por si mesma que foi colocada perante uma tarefa que é incapaz de realizar. O melhor conhecimento da numeração por parte da criança apenas atrasa a conclusão, já que poderá ser iludida no objectivo, e querendo exibir mais conhecimento, apenas mostrará mais ignorância. 

Talvez o mais caricato e interessante, da transcrição que se segue, é saber que Hércules quis ser iniciado nos mistérios antigos, e nisso foi proposto por um Pylas - palavra identificada a "padrinho"!
Entende-se que estes pylas eram padrinhos para bom-fiar, e não para má-fiar.

________________________________________________
O Véu Levantado ou o Maçonismo Desmascarado

CAPÍTULO I. 
Origem da Franc-Maçonaria

(continuação)

A época da sua existência não remonta, como pretende M. Guillemain de São Victor, aos tempos fabulosos do Egipto, nem aos mistérios de Eleusis, ou de Isis. Não foi senão em França que se deu à Franc-Maçonaria uma origem tão extravagante, para desviar todos aqueles que quisessem seguir a marcha, e os aumentos desta sociedade; mas este ar de erudição de antiguidade, que lhe quiseram prestar, não tem feito fortuna entre os verdadeiros sábios e não tem podido realmente impor, senão aos ignorantes.

É também entre estes que o falaz Conde de Cagliostro tem atraído alguns estólidos, e fáceis de serem enganados, e que se enriqueceu a si mesmo. Aproveitou-se de alguns rasgos sábios e enigmáticos, de que M. Guillemain de São Victor faz ostentação; inventou outras novas provas, afectou possuir a ciência da Natureza, ter descoberto remédios singulares, e extraordinários, e ter achado a pedra filosofal. Com semelhantes segredos correu a Europa - adquiriu uma grande reputação, da qual abusou, quando achou ocasião de o fazer.

Mas não há nada na sociedade Pedreiral inventado por Cagliostro, que não seja indicado nas provas que M. Guillemain pretende terem sido observadas em Memphis na iniciação dos Sacerdotes de Isis. Destas se repetiu uma parte em Paris na loja que se formava no subúrbio de Santo-António nos Passos do Senado da nova França: podem ver-se por extenso na obra intitulada «Da origem da Fran-Maçonaria». Com efeito elas são próprias para fazer suportável tudo o que se observa nas lojas ordinárias, tudo de mais difícil, e de mais extraordinário; porque não se imita senão de muito longe o que devia praticar-se no Egipto, no tempo das iniciações dos novos candidatos.

Uma das vantagens que os Pedreiros-Livres tem tirado da pretendida iniciação Egípcia, é ter dado alguma verosimilhança à criação dos ofícios, que eles têm estabelecido em suas lojas. Nenhum Aspirante pode ser nelas admitido sem ter um padrinho, isto é, alguém que o apresente para entrar na loja; e para dar mais realce ou consideração àquele que se encarrega de o fazer admitir ao número dos iniciados, há grande cuidado de se lhe referir tudo quanto se passava no Egipto, acompanhando esta relação de precauções misteriosas, como se a entrada em loja fosse a cousa mais santa que se pode imaginar.
«Aos iniciados, diz M. Gillemain, se impunha uma grande proibição de convidarem alguém para entrar na iniciação. Quando um homem de qualquer ordem que fosse, ia pedir a iniciação, os Sacerdotes parecia concederem-lha com facilidade; mas ao mesmo tempo lhe mandavam escrever seu nome e sua petição, e lhe davam um iniciado para lhe indicar suas provas. Este tinha cuidado de se instruir dos costumes e da religião, da pátria, e da qualidade do Aspirante, e o prevenia que era absolutamente necessário, que o iniciado respondesse por si ou porque ele seria conhecido por este meio ou por um excesso de confiança.»
Para justificar a inquirição que se faz na Franc-Maçonaria sobre os costumes, religião, carácter, e fortuna de um Aspirante, há o cuidado de se lhe dizer: «Que esta formalidade se observava geralmente na iniciação para os mistérios antigos; que fora necessário, que o mesmo Hércules fosse adoptado por um Ateniense iniciado, quando quis fazer-se iniciar em Atenas. Mr. Guillemain chega mesmo a nomear seu padrinho, que se chamava Pylas, e esta palavra genérica significa padrinho segundo este sábio erudito.»

Não se diria, que quem entra na Franc-Maçonaria fica sendo outro homem? A iniciação, diz Mr. Guillemain, é o fim da vida profana, olhada como vida animal: isto quer dizer, que quem se faz iniciar nos mistérios da Maçonaria passa da vida grosseira e animal, para uma vida espiritual e quase sobrenatural: é este o baptismo dos Mações; «é uma morte para o vício; o amor da virtude e dos deveres tomam o lugar de todas as paixões naquele que recebe esta iniciação; seu ser, ou antes o princípio que o anima, é renovado. É este o efeito do baptismo entre os Cristãos; mas ele não é produzido pelo mesmo princípio. Sim, sem dúvida, acrescenta o nosso Autor, substituir os conhecimentos e as virtudes à ignorância e aos prejuízos, é fazer passar a alma a outro corpo.»

Tal é a ideia que nossos Mações formam da Metempsycose, tão usada entre os antigos; mas como eles fazem consistir toda a religião na moral, não se pode fazer demasiada reflexão sobre os princípios seguintes, que se lêm no mesmo Autor.
«O iniciado, diz ele, deve reflectir sobre sua existência; dar a si mesmo razão de suas intenções e de suas acções; estar sempre acautelado contra si mesmo, e trabalhar continuamente em se aperfeiçoar: ele deve lamentar os estúpidos, e procurar instruí-los; fugir dos maus, socorrer os desgraçados, contar entre as fraquezas humanas, o orgulho, o interesse, e a inveja: em qualquer classe que se ache colocado pelo nascimento ou fortuna, não deve julgar-se estabelecido nela, senão para ser útil, e fazer o bem da humanidade em geral; em fim, deve estudar a natureza, respeitar o que não pode profundar, e penetrar sua alma de verdades sublimes.»
Esta moral e estes princípios podiam convir a pagãos, que não tivessem conhecimento algum de uma vida sobrenatural; mas que os Pedreiros-Livres, que foram baptizados, os adoptam, e os ensinem, como único compêndio de sua moral, eis-aqui o que a muitas pessoas custará a crer.
Eles são bem infelizes, se o maior esforço de sua razão, ajudada de todas as luzes, que têm recebido da revelação, os faz tornar ao ponto donde partiram os filósofos pagãos, para descobrirem os princípios em que a Moral está fundada!

Para justificar as leis que se prescrevem nas Lojas aos Pedreiros-Livres, as quais são: escreverem o catecismo dos graus, que têm recebido; prestarem juramentos de guardar um segredo inviolável sobre tudo o que se passa na Loja. Mr. Guillemain tem cuidado de fazer observar, que todas estas práticas estavam em uso nos mistérios antigos.
«As leis dos Aspirantes, diz ele, exigiam que cada um escrevesse a moral, e o fim que se propunha fazer servir de base a todas as acções de sua vida; seu consentimento em cumprir com a maior exactidão todos os deveres, que lhe impusesse a iniciação; que em fim ele prestaria juramento na presença dos deuses e dos sacerdotes, de guardar um segredo inviolável sobre todos os mistérios, que lhe fossem revelados, ou que visse praticar. Preveniam-no que devia pensar com madureza em todos estes artigos, a fim de nada escrever contra os sentimentos e intenções de seu coração.»
Mr. Guillemain poderia muito bem responder-nos pela liberdade, que goza um Aspirante no meio das provas espantosas, pelas quais o fazem passar? E quando sua liberdade fosse incontestável, que significa a nova moral, que querem obrigá-lo a jurar? Se ela é superior à do Evangelho, eu lhe perguntaria, onde a beberam os Pedreiros-Livres? Se é inferior ou contrária, diga-nos ele a razão porque se propõe aos Aspirantes? Se não é para os fazer esquecer dos grandes princípios de perfeição, que temos de Jesus Cristo, Legislador dos Cristãos? A fim de motivar o sério e o silêncio, que se prescreve aos Aspirantes na Maçonaria, há grande cuidado de citar o que se exigia dos Candidatos que eram admitidos aos mistérios.
«O Aspirante, continua o nosso Autor, era abandonado por algum tempo a suas próprias reflexões, depois conduziam-no a uma câmara escura, esclarecida por uma só lâmpada, que ficava detrás do Sanctuario e o deixavam nas mãos de seu condutor ou padrinho. (É assim que o padrinho conduz o Aprendiz Pedreiro-Livre a uma câmara escura iluminada pela fraca luz de uma lâmpada.) Este ultimo acompanhado de um sacerdote, chamado Hydrános, que fazia a função do irmão Terrível, perguntava ao Candidato, se de todas as provas porque tinha passado, lhe parecia alguma ridícula e supérflua; se estava bem decidido a receber a iniciação, e a respeitar até as mais pequenas circunstâncias dela. 
Tendo o Aspirante respondido conforme ao que dele se exigia, o Hydrános o mandava denudar até à cintura; chegava-o a uma cuba cheia de água do mar, ou do Nilo, na qual tinham lançado sal, grãos de cevada, e folhas de louro; depois lhe ordenava que metesse as mãos na cuba, e lhe lançava água sobre a cabeça (como se observa na Maçonaria), dizendo: "possa esta água, símbolo da pureza, apagar tudo que pode ter manchado vossa carne, restituindo-vos vossa primeira candura e inocência, purificar vosso corpo, assim como a virtude deve purificar vossa alma". Acabadas estas palavras, o Candidato era revestido pelo Hydrános com uma roupa, ou alva de linho fino. »
Na Maçonaria, dá-se uma camisa, e uns calções, declarando que aqueles que têm recebido o novo baptismo, em desprezo do dos Cristãos, são puros, e inocentes. Aqueles que o não têm recebido, são olhados como profanos, indignos de participarem dos mistérios da Maçonaria. As cerimónias, que se observam na Loja depois das primeiras provas, são também desenhadas sobre aquelas, que se supõem terem sido praticadas entre os antigos.
«O dia da iniciação era chamado Regeneração nova; celebrava-se com festins. Apuleio se exprime assim: "eu tinha um vestido de linho fino com laivos brancos, azuis, de púrpura, e de escarlate; coroado de ramos de palmeira, me apresentaram ao povo para ser visto. Celebrou-se depois meu novo nascimento com um banquete solene". »
(continua)
______________

Sem comentários:

Enviar um comentário