sábado, 3 de junho de 2017

Orla americana

Um pequeno relato que determinou a Alberico Vespúcio a fama de primeiro explorador do continente americano, foi primeiramente intitulado "De ora antarctica per regem Portugallie pridem inventa", que é como quem diz "Da orla antárctica, pelo rei de Portugal (regem Portugallie) há muito (pridem) descoberta (inventa)". 
Depois o relato foi republicado na Alemanha com o título que lhe deu fama "Mundus novus"... interessando perder a ideia de que o continente americano tinha sido "há muito descoberto" pelo rei de Portugal - na altura, D. Manuel, conforme o próprio reconhecia.
O relato de Vespúcio, que traduzo em baixo (usando o original em latim e uma tradução inglesa), é um misto de fanfarronice infundada, misturada com o reconhecimento implícito de que estaria como passageiro, aterrado de medo, e conduzido pelo mestre do navio português (ao mesmo tempo que se gabava não haver piloto algum que soubesse tanto de cosmografia quanto ele...).
Sendo apenas nesta viagem de 1501 que Vespúcio se dá conta da grandeza do continente americano, será tanto mais ridículo associá-lo a qualquer descoberta, quanto ele afirma que os navegadores portugueses que o acompanhavam conheciam há muito aqueles mares... mas, é claro, só ele saberia de cartografia(!)

O ridículo desta historieta internacional tão mal engendrada, visando apenas publicidade enganosa, nem é o uso de guias portugueses, ao estilo de Hillary ter subido o Everest com o auxílio do sherpa Norgay, ou de Stanley e Livingstone se terem servido do trabalho de guias portugueses, nas suas explorações africanas... É pior, porque neste caso Vespúcio ia como passageiro numa expedição do rei português, que por sinal tinha declarado a descoberta do Brasil um ano antes, com Pedro Álvares Cabral (ou Duarte Pacheco Pereira, que se queixava ter estado no Brasil, a mando de D. Manuel, dois anos antes de Cabral).
Nada disso parece importar, e se os espanhóis exasperaram depois com o relegar do nome de Colombo para o nome de Américo, na ideia de que "América" homenagearia Vespúcio (esquecendo que não se chamou "Vespucia"... mas enfim!), tratava-se em ambos os casos de italianos (pelo menos na versão oficial), metidos ao mar sem qualquer experiência de navegação, e sem perceberem muito bem para onde eram levados.
Colombo insistiu até ao fim na ideia de que chegara às Índias, Vespúcio via na costa brasileira um continente novo, desligado das ilhas das Caraíbas que Colombo visitara, e parecia desconhecer por completo as viagens africanas que os portugueses tinham feito abaixo do Equador, cinquenta anos antes.
Talvez mais notável, é que Vespúcio afirma ter chegado a 50º de latitude sul, ou seja, praticamente esteve apenas a 2º do Estreito de Magalhães em 1501, revelando bem como a sua viagem foi cuidadosamente planeada pelos portugueses, para evitar que soubesse mais do que interessava.
Ou isso, ou estamos no nível do espectador que acha tão normal que os ET's falem inglês, como Vespúcio parecia achar normal conseguir comunicar com os indígenas logo na primeira viagem!

Be ora antarctica per regem Portugallie pridem inventa 
(Da orla Antárctica, pelo Rei de Portugal há muito descoberta)

O relato de Vespúcio é enviado aos seus patronos conterrâneos, os Medicis, e a menção "Antárctica" é usada apenas para nomear o continente abaixo do Equador - a América do Sul, não havendo qualquer relação com o continente gelado que depois viria a ser descoberto. O uso definitivo do nome América, em substituição de "Índias Ocidentais", acaba apenas por resultar da opção dos Estados Unidos em tomar "América" como seu nome.

Fica aqui o relato ------------------------------------------------------------------------

Da orla Antárctica, pelo Rei de Portugal há muito descoberta

Albericus Vesputius saúda primeiro Laurentio Petri de Medicis.
Numa ocasião anterior, escrevi-lhe sobre o meu regresso das novas regiões que encontrámos e explorámos com a frota, a custo e pelo comando deste sereníssimo rei de Portugal; e a estas regiões podemos chamar com razão um novo mundo. Porque nossos antepassados ​​não tinham conhecimento delas, e isso será inteiramente novo aos que ouvirem.
Pois transcende a opinião dos nossos antigos, na medida em que a maioria deles sustentou que não havia um continente a sul da linha equinocial, mas apenas o mar, a que chamaram Atlântico. 
E se alguns deles disseram que um continente havia, negaram com abundantes argumentos de que seria uma terra habitável. Mas essa opinião é falsa e totalmente contrária à verdade - a última viagem o declarou. Pois nessas partes do sul encontrei um continente mais densamente povoado, e abundante em animais, do que a nossa Europa ou Ásia ou África e, além disso, um clima mais ameno e delicioso do que em qualquer outra região conhecida por nós, como saberá de nossa conta, que estabelecemos sucintamente pois apenas o principal importa, e as coisas mais dignas de comentários e memórias vistas ou ouvidas por mim, neste novo mundo, aparecem em baixo.

No quatorze do mês de Maio, de mil e quinhentos e um, partimos de Lisboa, em boas condições de vela, em conformidade com os comandos do referido rei, nestes navios, na finalidade de buscar novas regiões para o sul, e durante vinte meses seguimos continuamente esse curso austral.
A rota desta viagem foi a seguinte: 
- Nosso curso foi estabelecido para as Ilhas Fortunadas, assim chamadas, mas que agora são as Ilhas Canárias. Estas estão no terceiro clima e na fronteira do ocidente habitado. Daqui, por mar, contornámos toda a costa africana e parte da Etiópia até ao Promontório Etíope, assim chamado por Ptolomeu, que é agora Cabo Verde, e Beseghice dos Etíopes. Essa região, Mandinga, fica 14 graus dentro da zona tórrida, ao norte do equador; é habitada por gentes e povos negros.
Tendo recuperado nossa força e assumido o que nossa viagem exigia, içámos âncora e partimos. 
Direccionando o nosso curso sobre o vasto oceano em direção à Antártida, por um tempo virámos a oeste, devido ao vento Vulturnus; e, a partir do dia em que partimos do referido promontório, navegámos por dois meses e três dias antes que qualquer terra nos aparecesse. Mas o que sofremos naquela vasta extensão do mar, quais perigos do naufrágio, o desconforto do corpo que sofremos, e a ansiedade da mente, pois isso deixo para o julgamento daqueles que, por rica experiência aprenderam bem o que é buscar o incerto e descobertas então ignoradas. E se numa palavra eu posso resumir, saberá que dos sessenta e sete dias da nossa viagem, tivemos quarenta e quatro de chuva constante, trovões e relâmpagos - tudo tão escuro que nunca vimos sol de dia, ou céu limpo à noite.
Por isso, o medo nos invadiu e logo abandonamos quase todas as esperanças da vida. Mas durante estas tempestades de mar e céu, tão numerosas e tão violentas, o Altíssimo ficou satisfeito em nos apresentar um continente, novas terras e um mundo desconhecido. À vista disto, ficámos cheios de alegria como qualquer um pode imaginar, caindo no lote daqueles que tiveram refúgio de calamidades e azares hostis. 
Foi no dia sete de Agosto, de mil e quinhentos e um, que ancorámos nas margens dessas partes, agradecendo ao nosso Deus numa cerimónia formal, com a celebração de uma missa coral. Sabíamos que a terra era um continente e não uma ilha, tanto porque se estendia por uma costa muito longa e inflexível, e porque estava repleta de habitantes infinitos. Pois nela encontrámos inúmeras gentes e povos, e espécies de todo tipo de animais selvagens que são encontrados em nossas terras e muitos outros nunca vistos por nós, o que demoraria muito para falar em detalhe. A misericórdia de Deus brilhava sobre nós quando desembarcamos naquele ponto, pois havia uma escassez de lenha e água e, em poucos dias, teríamos acabado nossas vidas no mar. A ele seja honra, glória e acção de graças.

Adoptámos navegar a costa do continente para oriente, a nunca perder de vista. Navegámos até ao final, e chegámos a uma curva onde a costa girou para o sul. A partir desse ponto em que tocámos a terra naquele canto, foram cerca de trezentas léguas, em que a navegação frequentemente desembarcava e havia relações amigáveis ​​com as pessoas, como direi mais abaixo. 
Esqueci-me de escrever que, do promontório de Cabo Verde para a parte mais próxima desse continente, são cerca de setecentas léguas, embora eu deva estimar que navegámos mais de mil e oitocentas, em parte pela ignorância da rota e da vontade do mestre do navio. De conhecimento, em parte devido a tempestades e ventos que nos impediram do curso correto e nos obrigaram a colocar frequentemente.
Porque, se meus companheiros não me tivessem atendido, que conheciam a cosmografia, não haveria nenhum mestre dos navios, nem o próprio líder da própria expedição, que saberia onde estávamos dentro de quinhentas léguas. Pois nós estávamos errantes e incertos no nosso curso, e apenas os instrumentos para tomar as altitudes dos corpos celestes nos mostraram precisamente o nosso verdadeiro caminho - e estes eram o quadrante e o astrolábio, que todos os homens conheciam. Por esta razão, eles me fizeram objecto de grande honra. 
Pois mostrei-lhes que, embora fosse um homem sem experiência prática, através do ensino da carta marítima para navegadores, eu era mais habilidoso do que todos os mestres dos navios do mundo inteiro. Pois estes não têm conhecimento, excepto daquelas águas às quais frequentemente navegavam. 
Agora, quando o referido canto de terra nos mostrou uma tendência do sul da costa, concordámos em navegar além e perguntar o que poderia haver nessas partes. Então navegámos ao longo da costa cerca de seiscentas léguas, e muitas vezes desembarcámos e nos associámos com os nativos dessas regiões, e por eles fomos recebidos de maneira fraternal. Moraríamos também com eles, durante quinze ou vinte dias continuamente, mantendo relações amigáveis ​​e hospitaleiras. Parte desse novo continente encontra-se na zona tórrida, além do equador em direcção ao pólo antárctico, pois começa oito graus além do equador. Nós navegamos ao longo desta costa até passarmos pelo trópico de Capricórnio e encontrámos o pólo antárctico cinquenta graus mais alto do que esse horizonte. Avançámos até dezassete graus e meio do Círculo Antárctico, e o que eu tenho visto e aprendido sobre a natureza dessas raças, suas maneiras, seu trato, a fertilidade do solo, a salubridade do clima, a posição dos corpos celestes no céu, e especialmente sobre as estrelas fixas da oitava esfera, nunca vistas nem estudadas pelos nossos antepassados, estas coisas eu devo relacionar em ordem.

Em primeiro lugar, quanto às pessoas. Encontrámos nessas partes uma multidão de pessoas como ninguém poderia enumerar (como lemos no Apocalipse), uma raça que direi gentil e acessível. 
Todos os dois sexos ficam nus, não cobrindo nenhuma parte de seus corpos. Assim como saem dos ventres de suas mães, ficam até a morte. Têm realmente grandes corpos de constituição quadrada, bem formados e proporcionados, sendo na cor avermelhados. Isso aconteceu, porque estando nus são tingidos pelo sol. Também têm cabelo abundante e preto. Ao andar, e a jogar os seus jogos, são ágeis e dignos. Também têm um semblante bonito, que no entanto destroem, furando suas bochechas, lábios, narizes e orelhas. Não se pense nesses buracos como pequenos, ou que tenham apenas um. Nalguns, vi em uma única face sete perfurações, onde em qualquer uma, seria capaz de prender uma ameixa. Eles preenchem esses buracos com pedras azuis, mármore, cristais muito bonitos de alabastro, ossos muito brancos e outras coisas preparadas artificialmente de acordo com seus costumes. Mas se pudesse ver uma coisa tão inusitada e monstruosa, como um homem ter em suas bochechas e lábios sete pedras, algumas das quais com uma medida e meio de comprimento, não deixaria de se espantar. Pois eu o vi frequentemente, e descobri que sete dessas pedras pesavam dezasseis onças, além do facto de que em suas orelhas, cada uma perfurada com três furos, eles têm outras pedras penduradas em anéis, e esse uso aplica-se apenas aos homens. As mulheres não furam o rosto, mas apenas as orelhas. 

Têm um outro costume, muito vergonhoso e além de toda crença humana. Pois as suas mulheres, sendo muito dadas à luxúria, fazem com que as partes privadas de seus maridos cresçam até um tamanho tão grande que parecem deformados e repugnantes, e isso é conseguido por uma técnica deles, que consiste na mordidela de certos animais venenosos. Em consequência, muitos deles perdem os órgãos por falta de atenção, e continuam sendo eunucos. 
Não têm nenhum pano de lã, linho ou algodão, uma vez que não precisam disso. Nem têm bens próprios, mas todas as coisas são mantidas em comum. Vivem juntos sem rei, sem governo, e cada um é seu próprio mestre. Casam com todas as esposas que quiserem, e o filho convive com a mãe, um irmão com uma irmã, um primo masculino com uma mulher e qualquer homem com a primeira mulher que conhece. Eles dissolvem os casamentos quantas vezes quiserem e não observam nenhum tipo de lei a esse respeito. 

Além do facto de que não têm igreja, nem religião, mas não são idólatras, o que mais posso dizer? 
Eles vivem de acordo com a natureza, e podem ser chamados Epicurianos, em vez de Estóicos. 
Não há comerciantes entre os seus, nem há trocas. As nações se guerreiam sem arte ou ordem. 
Os anciãos, por meio de certos esquemas, inclinam os jovens à vontade deles e inflamam-nos às guerras em que se matam cruelmente, e àqueles a quem trazem. Os cativos domésticos da guerra preservam-nos, não para poupar as suas vidas, mas para que sejam usados como comida. Porque eles se comem uns aos outros, os vencedores comem os vencidos, e entre outros tipos de carne, a humana é comum na dieta deles. 
É tão certo este facto porque um pai já foi visto comer filhos e esposa, e eu conheci um homem, com quem também falei, que tinha a reputação de ter comido mais de trezentos corpos humanos. Também permaneci vinte e sete dias numa determinada aldeia onde vi carne humana salgada suspensa nas vigas entre as casas, assim como connosco é costume pendurar bacon e porco. Digo mais... eles próprios se perguntam por que não comemos nossos inimigos, ou não usamos sua carne como alimento, que dizem ser a mais saborosa. 
Suas armas são arcos e flechas, e quando avançam para a guerra, não cobrem nenhuma parte de seus corpos para protecção, e então procedem como animais nesta matéria. Nós nos esforçámos para dissuadi-los e persuadi-los a desistir desses costumes depravados, e eles prometeram que deixariam. 

As mulheres, como eu disse, andam desnudas e são muito libidinosas, mas têm corpos que são bastante bonitos e limpos. Nem são tão horríveis como se pode imaginar, pois, na medida em que são rechonchudas, a feiúra é menos aparente e é na maior parte oculto pela excelência de sua estrutura corporal. Foi para nós uma questão de espanto que ninguém tinha um peito flácido, e as que tinham filhos não eram distinguidas das virgens pela forma e encolhimento do ventre. E nas outras partes do corpo foram vistas coisas semelhantes, de que não faço menção. Quando tiveram a oportunidade de copular com os cristãos, exortadas pela luxúria excessiva, elas se prostituíram. 
Vivem cento e cinquenta anos, e raramente caem doentes, e se são vítimas de qualquer doença, curam-se com certas raízes e ervas. Estas são as coisas mais notáveis ​​que sei acerca deles.

O clima era muito temperado e bom, e como consegui aprender dos seus relatos, nunca houvera nenhuma praga ou epidemia causada pela corrupção do ar. A menos que morram de morte violenta, vivem por muito tempo. Isto considero ser porque os ventos do sul estão sempre soprando lá, e especialmente o que chamamos de Eurus, o que é o mesmo para eles como o Aquilo é para nós. 
São zelosos na arte da pesca, e o mar está repleto e é abundante em todos os tipos de peixes. Não são caçadores. Isso eu julgo ocorrer porque existem muitos tipos de animais selvagens, especialmente leões e ursos, inúmeras serpentes e outras bestas horríveis e feias, e também porque as florestas e árvores têm um tamanho enorme e se estendem por toda parte. Não se atrevem, nus, sem protecção e sem armas, a se expor a tais perigos.

A terra nessas partes é muito fértil e agradável, abundante em numerosas colinas e montanhas, vales ilimitados e rios poderosos, regados por fontes refrescantes e cheios de florestas largas, densas e impenetráveis, cheias de todo tipo de animais selvagens. 
As árvores crescem até um tamanho imenso sem cultivo. Muitas delas produzem frutos deliciosos para o gosto e benéficos para o corpo humano. Algumas na verdade não o são, e não há frutas como as nossas. Inúmeras espécies de ervas e raízes crescem lá, das quais fazem pão e excelente comida. Também têm muitas sementes completamente diferentes das nossas. 
Não têm metais de nenhuma espécie, excepto o ouro, que nessas regiões existe em grande abundância, embora não trouxéssemos nada na nossa primeira viagem. Os nativos chamaram a nossa atenção que, nos distritos distantes da costa, há uma grande abundância de ouro, e por eles é respeitado e estimado. São ricos em pérolas como lhe escrevi antes. Se eu tentasse contar o que há e escrever sobre as numerosas espécies de animais e o grande número deles, seria também uma questão muito vasta. 
Realmente acredito que o nosso Plínio não tocou numa milésima parte das espécies de papagaios e outros pássaros, outros animais, que também existem nas mesmas regiões, tão diversos na forma e na cor, pois Policleto, o mestre da pintura em toda a sua perfeição, teria ficado aquém de descrevê-los.

Todas as árvores são perfumadas e emitem cada todas e cada uma goma, óleo ou algum tipo de seiva. Se as propriedades destas fossem conhecidas por nós, não duvido que seria salutar ao corpo humano. Se o paraíso terrestre estiver em qualquer parte desta Terra, considero certamente que não estará muito distante destas partes. Sua situação, como relatei, está para sul, num clima tão temperado que invernos gelados e verões ardentes não são experimentados.
O céu e a atmosfera são serenos durante a maior parte do ano, e desprovidos de vapores espessos, as chuvas caem levemente, em três ou quatro horas, e desaparecem como uma névoa. 
O céu está adornado com as mais belas constelações e formas entre as quais eu notei cerca de vinte estrelas tão brilhantes quanto vemos Vénus ou Júpiter. Considerei os movimentos e as órbitas destes, medi suas circunferências e diâmetros pelo método geométrico, e verifiquei que elas são de maior magnitude. 
Vi nesse céu três estrelas como Canopus, duas de facto brilhantes, a terceira fraca. 
O pólo antárctico não é representado com uma grande e uma pequena Ursa, como o nosso pólo árctico, nem qualquer estrela brilhante é vista perto dele, e daquelas que se movem ao redor dele com o circuito mais curto, existem três que têm a forma de um triângulo ortogonal, a meia circunferência, o diâmetro, tem nove graus e meio. Subindo com estes para a esquerda é vista uma Canopus branca de tamanho extraordinário que, quando atinge o meio do céu, tem essa forma:

Depois disso, vêm duas outras, cuja meia circunferência, o diâmetro, tem doze graus e meio; e com elas é vista outra Canopus branca. Seguem-se sobre estas seis outras estrelas mais bonitas e mais brilhantes entre todos os outros da oitava esfera, que no firmamento superior têm uma meia circunferência, um diâmetro de trinta e dois graus. Com elas gira uma Canopus negra de tamanho enorme. São vistas na Via Láctea e têm uma forma como esta, quando observada na linha do meridiano:

Eu observei muitas outras estrelas muito bonitas, cujos movimentos anotei com diligência e descrevi lindamente com diagramas num livro pequeno que tratava desta minha viagem. Mas, neste momento, é este sereno Rei que o tem, e espero que mo restabeleça. 
Nesse hemisfério, vi coisas incompatíveis com as opiniões dos filósofos. Um arco-íris branco foi visto duas vezes pela meia-noite, não só por mim, mas por todos os marinheiros. Da mesma forma, frequentemente vimos a Lua nova nesse dia, quando estava em conjunção com o Sol. Todas as noites naquela parte do céu, inúmeros vapores e meteoritos brilhantes voam. Disse há algum tempo, respeitando esse hemisfério, que realmente não pode correctamente ser falado como um hemisfério completo comparando-o com o nosso, ainda que se aproxima tanto dessa qualquer forma, que podemos ser autorizados a chamá-lo assim.

Portanto, como disse a partir de Lisboa, quando começámos, trinta e nove graus e meio distante do Equador, navegámos para além do Equador cinquenta graus, o que junta em cerca de noventa graus, o que na medida em que faz um quarto de um grande círculo, de acordo com o verdadeiro sistema de medida que nos transmitiram os nossos antigos, é evidente que navegámos uma quarta parte do mundo. E por esse cálculo, nós que vivemos em Lisboa, trinta e nove e meio graus de latitude norte, deste lado do Equador, dá em relação aos cinquenta graus além da mesma linha, na latitude sul, um ângulo de cinco graus numa linha transversal.
Para que compreenda mais claramente: uma linha perpendicular desenhada, quando nos levantamos, de um ponto no céu em cima, o nosso zénite está sobre a nossa cabeça; desce sobre o seu lado nas costelas. Assim, surge que estando numa linha vertical, mas eles estão numa linha desenhada lateralmente. É assim formado um tipo de triângulo ortogonal, a posição de cuja linha vertical ocupamos, enquanto eles a base; e a hipotenusa é extraída do nosso zénite para o deles, como é visto no diagrama. Estas coisas que mencionei são suficientes quanto à cosmografia.


Estas foram as coisas mais notáveis ​​que eu vi nesta minha última viagem, a que eu chamo meu terceiro capítulo. Os outros dois capítulos constavam de duas outras viagens que fiz ao Ocidente sob o comando do sereno Rei das Espinhas, durante as quais anotei as maravilhosas obras realizadas por esse sublime criador de todas as coisas, o nosso Deus. Mantive um diário de coisas notáveis ​​que, se algum dia eu me concederem lazer, eu poderei reunir essas coisas singulares e maravilhosas, escrevendo um livro de geografia ou cosmografia, para que a minha memória possa, viver na posteridade e que o imenso trabalho do Deus Todo-Poderoso, em parte desconhecido para os antigos, mas conhecido por nós, possa ser entendido. Consequentemente, rezo ao Deus mais amado para prolongar os dias da minha vida, que com o Seu favor e a salvação da minha alma eu possa realizar da melhor maneira possível a minha vontade. Os relatos das outras duas jornadas guardo no meu gabinete, e quando este sereno Rei me devolver o terceiro, eu me esforçarei para recuperar meu país e descansar. Lá poderei consultar especialistas e receber de amigos o auxílio e o conforto necessários para a conclusão deste trabalho.

A vós, peço perdão por não ter transmitido esta minha última viagem, ou melhor, o meu último capítulo, como lhe prometi na minha última carta. Saberá o motivo quando lhe digo que ainda não obtive a versão principal deste Rei mais sereno.
Ainda considero privadamente a realização de uma quarta jornada, e disso estou tratando. Já me prometeram dois navios com seus equipamentos, para que eu me possa aplicar à descoberta de novas regiões ao sul, ao longo do lado oriental, seguindo a rota do vento chamado Africus. Nessa viagem eu penso em realizar muitas coisas para a glória de Deus, para a vantagem deste reino e a honra da minha velhice. E não espero mais que o consentimento deste Rei mais sereno. Deus conceda o que é o melhor. Saberá o que virá disto.

Jocundus, o tradutor, está transformando esta epístola do Italiano para a língua Latina, para que os latinistas possam saber quantas coisas maravilhosas são descobertas diariamente, e que a audácia daqueles que procuram escrutinar o céu e a soberania, e conhecer mais do que é lícito saber, possa ser mantido sob controle. Na medida em que, desde tempo remoto, quando o mundo começou, a vastidão da Terra e o que estava aí contido era desconhecido.


---------------------------------------------------------------------------



Sem comentários:

Enviar um comentário