segunda-feira, 7 de maio de 2012

Caricaturas revolucionárias

As questões que se levantam à época da Revolução Francesa, estão bem retratadas nalgumas caricaturas de Gillray.

A caricatura é 1792, passados 3 anos e meio sobre a "tomada da Bastilha", e para além da clareza do desenho, os balões dos personagens dizem o seguinte...
French Liberty: O Sacre Dieu! _vat blessing be de Liberté. Vive Le Assemblè Nationale! _ no more Tax! _ no more Slavery!_ all Free Citizen! _ ha hah! _by Gar, how we live!_ve swim in the Milk & Honey.
British Slavery: Ah! this cursed Ministry! they'll ruin us with their damn'd Taxes!_ why, Lounds! they're making Slaves of us all, & Starving us to Death.

Gillray não é propriamente um vassalo passivo, como já tivemos oportunidade de mostrar com outras caricaturas (sobre Napoleão ou sobre Cook), mas coloca-se claramente do lado conservador. Ficava claro para os Tories que o caminho da "liberdade francesa" tinha levado a uma regressão, a uma pobreza apenas alimentada por uma ilusão de liberdade. Ao contrário, os ingleses queixavam-se dos impostos, mas de barriga cheia...
A afiliação política aos Tories, mesmo anti-Whig, fica ainda mais clara na caricatura seguinte:

Devil: nice Apple Johnny! _ nice Apple.
John Bull: Very nice Napple!_ but my Pokes are full of Pippins from the other Tree: & besides I hates Medlars they're so domn'd rotten that I'se afraid they'll gee me the Guts-ach for all their vine looks!

Em primeiro plano, na árvore da "Liberté", com o barrete frígio da Revolução Francesa, a serpente representando o Diabo oferece uma maçã de "Reforma", que o "zé povinho" inglês recusa dizendo ao invés tratar-se duma nespera europeia (associada a prostituição). Esta árvore reflectiria um requisito de reforma exigido pelos Whigs, que aparecem como fruto nesta árvore.
Mais atrás, a árvore de onde o personagem obteve as "maçãs verdadeiras"... a árvore dos Tories, com  raízes nos Comuns, Rei e Lordes, troncos na Justiça subdivididos em Leis e Religião, com maçãs de liberdade e segurança(?). 
Na árvore da frente, as raízes são a inveja, ambição e desapontamento, levando a um tronco de oposição, subdividido no tronco dos "direitos do homem" (de onde saem as maçãs do Clube Whig, da "Liberté", da conspiração, revolução, pilhagem, democracia, assassínio, traição, escravatura) e no tronco da "extravagância imoral" (com maçãs da idade da razão, deísmo, impiedade, blasfémia, ateísmo).
A Inglaterra conhecera a Revolução de Cromwell, e o sistema aceite depois por Charles II tinha permitido uma estável Monarquia Parlamentar (que ainda hoje se mantém...), e ainda recordaria os excessos vividos na República de Cromwell, no século anterior. A divisão parlamentar Tories-Whigs debatia estas duas visões. 
É curioso que ainda hoje os ingleses ironizam dizendo que a Inglaterra tem uma Monarquia Parlamentar, enquanto a França mantém uma República Monárquica (devido aos excessivos poderes presidenciais).

Convirá notar que o período da Revolução Francesa permitirá por contágio na Inglaterra uma liberdade suplementar, quase um "Dumping", que iludirá um pouco a situação que se irá seguir. A Inglaterra de Gillray não terá muito a ver com a que irá ser objecto da ilustração de Charles Dickens, já que a Revolução Industrial acabará por trazer uma exploração humana, e este tipo de abertura de ideias ficará encerrado. Será depois o tempo em que Lewis Carrol falará através de Alice sobre os "Telescópios que se fecham"!

Convenção ou subvenção?
Porém podemos ver como alguma liberdade crítica era ainda publicada, como neste cartoon de Woodward, de 1809, sobre a Convenção de Sintra... em que há um acordo entre Ingleses e Franceses sobre o destino a dar ao tesouro português:

- This is the City of Lisbon
- This is the Gold, that lay in the City of Lisbon
- These are the French who took the Gold that lay in the City of Lisbon
- This is Sir Arthur (whose Valour and skill, began so well but ended so ill) who beat the French, who took the Gold, that lay in the City of Lisbon.
- This is the Convention that Nobody owns, that saved old Junots Baggage and Bones, altho Sir Arthur (whose Valour and skill, began so well but ended so ill) had beaten the French, who took the Gold, that lay in the City of Lisbon 
- These are the Ships that carried the spoil, that the French had plundered with so much toil, after the Convention which Nobody owns, that saved old Junots Baggage and Bones, altho Sir Arthur (whose Valour and skill, began so well but ended so ill) had beaten the French, who took the Gold, that lay in the City of Lisbon
- This is John Bull, in great dismay, at the sight of the Ships which carried away the gold and silver and all the spoil, the French had plundered with so much toil, after the Convention which Nobody owns, that saved old Junots Baggage and Bones, altho Sir Arthur (whose Valour and skill, began so well but ended so ill) had beaten the French, who took the Gold, that lay in the City of Lisbon.

Há vários pormenores interessantes... começando pelo formato do cartoon que é até moderno na sequência conforme organiza a banda desenhada! Estamos em 1809... e não no Séc. XX.
Depois, a forma irónica de contar a história tem um ritmo repetitivo bastante jocoso!
Finalmente, la pièce de resistance... apesar da vitória dos ingleses (e portugueses!!), Junot pode sair incólume, e retirava-se mesmo com o saque, transportado pelos navios ingleses!... e os portugueses nada tiveram a dizer sobre o assunto? - Estranho? - Amigos de Peniche, agora em Sintra?
Qual seria a vantagem dos ingleses em tanta delicadeza, fornecendo ouro ao inimigo?
Repare-se na cadeira onde se senta John Bull... nas listas alvas e encarnadas:
- fazem lembrar a bandeira dos Estados Unidos da América?
- ou fazem lembrar a bandeira da Companhia Britânica da Índias Orientiais?
- ... ou fazem lembrar ambas?

Conforme já aqui referido, havia um projecto comum das Companhias das Índias Orientais, que incluía o desenvolvimento dos Estados Unidos da América. Por isso, é natural que o ouro português não tivesse financiado a "Revolução Francesa", mas sim a "Revolução Americana". Através das suas influentes lojas maçónicas, os três países concordariam com esse destino... que no fundo apenas comprometia os fundos reais portugueses, duma corte instalada no Brasil.

Apesar da derrota francesa no curso das Guerras Peninsulares, o espólio português pilhado não regressou, e também nunca se viu um grande rasto em França! Durante todo o Séc. XIX, Portugal e Espanha ficariam permanentemente endividados, ao passo que a França renascia da guerra em poucos anos, recuperando o seu desenvolvimento, a níveis que tornavam a imagem de miséria de Gillray uma ilusão do passado, e talvez depois mais apropriada aos povos ibéricos, aliados dos britânicos. Isso levou a revoltas populares, como a da Maria da Fonte, que trouxe de novo tropas francesas a território ibérico... mas agora ao abrigo de Quádrupla Aliança, em que Inglaterra e França eram aliadas para cuidar da permanência do regime de endividamento das nações ibéricas, e evitar qualquer ressurgimento nacionalista.

2 comentários:

  1. Caro Da Maia
    As riscas ainda recordam Memória mais distantes...
    Memórias de Velas e de Barcos que cruzaram o Mar-Oceano...
    Memórias dos Comerciantes de Baal.

    Maria da fonte

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    1. É muito bem lembrado, Maria da Fonte!
      Os barcos dos fenícios tinham essas riscas vermelhas e brancas, na vertical. Aqui está uma imagem:
      http://www.dailykos.com/story/2010/06/15/876144/-In-Praise-of-Molech-and-the-Cremation-of-Care

      Por isso, a formação dos EUA está muito ligada a essas antigas companhias da Fénix, que renasce das cinzas, à martelada por muitos pedreiros, ceifando foi-se a foice.

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