terça-feira, 14 de junho de 2016

Virando para Meca

Saindo de Lisboa, e desviando um pouco dos caminhos habituais, virei um dia para Meca.
Sim, há uma Meca perto de Lisboa, no concelho de Alenquer, pouco conhecida.
Já sabemos que há nomes estranhos em localidades portuguesas, mas não estava propriamente à espera de encontrar aí uma basílica de dimensões assinaláveis, construída ao tempo de D. Maria I (1799), em honra de Santa Quitéria.
Basílica de Santa Quitéria em Meca (imagem)
O estilo da basílica não se afasta muito da Basílica da Estrela, tendo sido construída na mesma altura - e se é óbvio que não tem a mesma dimensão da lisboeta, muito menos tem as dimensões esperadas para uma igreja numa freguesia do concelho de Alenquer.

A fonte para saber mais alguma coisa seria o Portugal Antigo e Moderno de Pinho Leal, que remete para o nome "Espiçandeira e Meca" (pag. 60, Volume 3). 
A aldeia de Espiçandeira tinha um culto a São Sebastião, com uma igreja igualmente interessante, mas muito menos imponente. No Séc. XIX, nalguma reforma administrativa habitual, as freguesias teriam estado juntas, e o nome da aldeia de Meca nem era "oficial".

Pinho Leal refere o seguinte:
Na aldeia de Meca está fundada a famosa igreja de Santa Quitéria, virgem e mártir, que é capela real. É um templo rico e majestoso, e muito concorrido de fiéis de povoações de muitas léguas em redor, pela muita devoção que tributam a esta santa imagem.
Segundo a tradição, no ano de 1238, aparecera num espinheiro, na Quinta de S. Braz, uma pequena imagem de Santa Quitéria, advogada contra a hidrofobia. Edificou-se logo ali uma capelinha para colocar a santa. (...)
Formou-se uma confraria, que veio a ser das mais ricas de Portugal, e no final do Séc. XVII decidiu edificar-se um templo vasto e sumptuoso. D. Maria I, a quem foi pedido auxílio para as obras, deu por várias vezes avultadas esmolas, e as construções principiaram com grande solicitude. É tradição que o mestre de obras não as viu concluir, por morrer da queda de uma das torres. (...)
Concluída a capela, D. Maria I obteve do Papa Pio VI que fosse declarada pertença da Basílica de S. João de Latrão, de Roma, e como tal goza das grandes indulgências e graças espirituais desta famosa basílica. (...)
É um dos mais vastos, ricos e majestosos templos rurais de Portugal. (...)

Portanto, a Basílica de Meca, sendo pertença de Latrão, seria propriedade do Vaticano... o que não deixa de ser curioso. Nada é dito sobre a origem do nome "Meca"... Pinho Leal remete diversas vezes para o nome "Meca", indicando que teria intenção de escrever mais, porém isso não vai acontecer.
Fazendo parte da chamada "região saloia", talvez o nome "Meca" seja remanescente de alguma comunidade muçulmana que ali se tenha mantido, depois da reconquista cristã, mas não vimos nenhuma informação nesse sentido. Já o culto de Santa Quitéria, é tipicamente lusitano, e encontra-se espalhado pelo país, sendo as preces dirigidas para as vítimas de raiva - uma doença ainda mortal, que afligia as populações rurais. A procissão local envolve ainda uma benção aos animais domésticos.

Cabeço de Meca - Chaminé vulcânica
Umas centenas de metros a norte da Basílica de Meca, encontra-se uma cratera com um pequeno lago, que terá tido origem como chaminé vulcânica, em tempos remotos, do complexo vulcânico de Lisboa. 
Cabeço de Meca (imagem - Rui Nunes, 2000)
Este registo é igualmente estranho, pois não sabia de "lagos vulcânicos" no continente (nos Açores são bem conhecidos)... ainda que este seja pequeno e tenha sido bastante destruído pela exploração mineira de basalto, que terá danificado significativamente a forma da cratera da chaminé vulcânica original. 
Google Maps - Cabeço de Meca 
O "cabeço" também aparece com o nome de Santa Quitéria, e não será de excluir que para a hidrofobia (raiva) fossem consideradas as águas da lagoa vulcânica como alguma forma de cura.
Na sua forma actual, tendo sido destruídas paredes laterais, a lagoa não terá aspecto muito diferente de um vulgar charco de uma pedreira, mas ainda assim nota-se bem a forma do "cabeço".

Meca-ventos
No mapa da Google notam-se ainda umas ruínas - provavelmente da antiga exploração mineira, mas não tendo encontrado nada sobre isso, fui parar não muito longe, a umas ruínas igualmente interessantes, a sul, já à vista de Lisboa - no cabeço de Montachique.
Sanatório Grandella - Cabeço de Montachique (imagem - Paulo Benjamim Cardoso)
Já aqui falámos dos Macavencos, uma sociedade "secreta" presidida por Grandela, que reunia vários bon.vivants de Lisboa (incluindo Rafael Bordalo Pinheiro, Bulhão Pato, Ferreira do Amaral, etc.), e que serviria um pouco como escaparate sexual, ou bordel, para devaneio de alguns maçons na transição para o Séc. XX.

Na sua faceta de benemérito, ciente dos problemas de saúde no início do Séc. XX, Grandela terá financiado um sanatório para "raparigas indigentes e tuberculosas", ou como é dito no anúncio abaixo transcrito - aceitava também "candidatas a tuberculosas", o que reflectiria melhor o espírito do clube Makavenko. 
Anúncio do Sanatório Grandela pelo "Clube dos Makavenkos"
Já meio apagado, deveria ler-se a citação do Antigo Testamento - Eclesiastes - Cap. III, que reúne duas frases do ideal hedonista do clube dos Makavenkos:
12 - Descobri que não há nada melhor para o homem do que ser feliz e praticar o bem enquanto vive.
13 - Descobri também que poder comer, beber e ser recompensado pelo seu trabalho é um presente de Deus.

O imóvel não terá sido completamente acabado, e na prática o sanatório nunca terá funcionado, mesmo depois de doado a uma associação nacional de tuberculosos. No entanto, apesar disso no alto do cabeço de Montachique, com uma vista esplêndida sobre Lisboa, as suas ruínas ficaram hoje como um monumento digno de nota.

Mecânica
Para a mecânica universal, não há qualquer acrescento cognitivo quando os homens são felizes, tendo razões materiais para isso, e igualmente muito pouco, quando complementam isso com alguns actos de generosidade colectiva. A grande interrogação cognitiva do Mecanismo universal é entender a disposição dos restantes, na ausência de tudo isso.
As regras mecânicas conhecidas servem a tecnologia, que nos serve, mas na ausência de mecânica conhecida, surge o deus ex machina, uma última esperança de que há uma lógica ulterior que poderia impedir profundas injustiças. Enquanto a população de Meca e arredores endereçava preces para uma cura de raiva, de hidrofobia, numa última esperança de que a mecânica universal se vergasse perante as suas orações, os makavenkos encaravam-se como pequenos deuses, por dominarem pequenas regras do mecanismo, pelo simples facto de terem acesso a uma herança de botões negados aos restantes. Ora, não é novidade nenhuma que os botões controlam um mecanismo, e que a potência pode ser exercida. É com a potência dos maxilares que os animais predadores dilaceram as presas, desde o tempo em que se definiram predadores e presas. Pode parecer estranho, mas ainda assim faz parte de uma mecânica evolutiva, que a mãe de uma cria esteja disposta a arriscar a sua vida por ela... pois está em causa o seu material genético. Agora, o que ultrapassaria toda a mecânica, que se faz do passado para o presente, seria que houvesse homens capazes de se sacrificar a sua vida por uma causa humanitária, que não lhes traria nenhuma vantagem pessoal. E a partir desse momento, a mecânica maternal, que se faz do passado para o presente, deixa de ser o único factor em jogo. Entra em jogo a mecânica paternal, que se faz do presente para um futuro com sentido racional, numa racionalidade que não está escrita do passado por uma ciência exterior, mas sim se escreverá por uma avaliação interior, com valores universais e intemporais, escritos em espirais murais que definiram a igualdade nos nossos espíritos morais.

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Nota adicional (17/06/2016)
Alguns links deixados pelo comentador J. Ribeiro:
- Basílica de Meca - por J. Hermano Saraiva na RTP
- Sanatório Grandella - reportagem Abandonados na SIC

7 comentários:


  1. https://www.youtube.com/watch?v=TwPha8ZnyH8&list=PLNdU5M6bH0DY7tEJpDgriW19TYrVj5vm-&index=251

    Ab

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    1. Boa, a sua habitual lembrança de ir ao baú do J. Hermano Saraiva.
      Porém, neste caso ele só junta o espanto dele ao restante, e nem sequer menciona a tal chaminé vulcânica.
      Já agora, não sei se o João Ribeiro já viu todos os episódios - eu não vi, mas ele alguma vez falou no Clube dos Makavenkos?
      Obrigado.

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  2. Boa tarde,

    Tem sido grande parte por coincidências. Enquanto trabalho posso ouvir fones e maioritariamente oiço programas no youtube em vez de música. Por exemplo, ouvi este programa ainda na semana passada. Realmente não fala sobre a lagoa vulcânica, eu também não fazia ideia da sua existência, muito fixe. Sobre os Makavenkos sei que existem pelo menos uns dois programas em que os menciona e fala um pouco sobre eles, num mais exaustivamente do que noutro. Agora não me recordo qual a série e qual o episódio. Fiz um pesquisa leve e não os achei, mas aqui no trabalho é complicado perder tempo. Em casa pode ser que consiga achar com mais calma.

    Ab

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  3. Boas,

    São centenas de vídeos e os títulos por vezes não ajudam. Pode ter falado dos Makavenkos quando falou de algum personagem ou ocasião. Resumindo não achei. No entanto lembrei-me deste vídeo que talvez o caro Da Maia tenha visto também. Sempre diz qualquer coisa.

    https://www.youtube.com/watch?v=sQ8z0ThFsps

    Ab

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    1. Obrigado.
      Só perguntei, por perguntar... às vezes poderia lembrar-se, mas é igualmente interessante o programa da SIC sobre esses locais abandonados.
      Adicionarei como links de consulta.
      Acho que apenas vi um ou dois, e creio que não vi esse que falava do Sanatório do Grandela. Reparei que fizeram um outro sobre as Águas Radium, que tinha abordado em 2010, faz agora 6 anos... eh eh!
      http://odemaia.blogspot.pt/2010/06/aguas-radium.html

      Quanto ao Sanatório do Grandella, um fartote de rir é com as declarações do "historiador" mação, que conseguiu enfiar uma série de mentiras descaradas sem esboçar a mínima ironia.
      Querer passar a ideia que os Makavenkos era sociedade filantrópica, cujo objectivo maior era ajudar a população, e em particular as jovens donzelas vítimas de tuberculose, é uma piada tão grande quanto o cartaz ter escrito que aceitava desde logo "candidatas à tuberculose", e parecia excluir pessoas mais idosas, ou do sexo masculino.

      Nem sequer é novidade, era (e é) moda dar faustosas "festas de beneficência", cujo propósito é a festa, e o tema uma qualquer desculpa esfarrapada. Ali só era pior, porque nos seus estatutos é claro que sexo/orgias eram um principal propósito dos Makavenkos.

      Aliás, hoje em dia, como beneficência, parece ser mais habitual fazer uma fundação, ou uma ipss, depois parece que os carros estão em nome da "empresa", há isenções de impostos (por exemplo, IMI), colocam-se uns parentes ou amigos nos órgãos de direcção, e é um fartote... e no meio do processo há muita gente a viver à conta. Pior que isso, depois têm mesmo os empregados a sério, que dependem a 100% do esquema, e são quem mais é usado, e também quem mais defende a sua manutenção - simplesmente para não perderem o emprego. Bancos alimentares... que servem também como supermercados gratuitos para arregimentados da causa, etc, etc.
      Se há coisa que nunca faltou foi imaginação para inventar trafulhices.

      Mas, o que achei mais engraçado foi o maçaneta estoriador a dizer que podia dizer que se tratava do símbolo do "mestre perfeito", mas que não podia dizer o grau, pois isso era um segredo da maçonaria. Hello!... Who cares?
      Quando era criança, também brinquei aos clubes secretos, e com um amigo meu, enterrámos uma série de coisas no quintal... para serem encontrados quando adultos. Apesar de haver mapas e tudo, rapidamente passámos da infância à adolescência, e os "tesouros" enterrados perderam todo o significado, e perderam-se mesmo, creio eu.
      Este pessoal não cresce, ou então não brincou quando devia, e dá-lhes para serem crianças em velhos.
      Só por mero acaso circunstancial, os segredos que a maçonaria guarda, coincidem com os segredos que interessa saber. Este pessoal, ainda não percebeu que o passado está completamente dependente do futuro, caso contrário, é uma total ilusão de fanáticos, e irá perder-se como tal, sem qualquer relevância ou interesse. Porque, dado o ponto a que chegaram, ainda que jurassem dizer verdade, por todas as coisas mais sagradas, só os mais tolos é que continuariam a acreditar no que dissessem. Assim, só interessará o que poderá ser confirmado cientificamente, individual e imparcialmente... e é esta última parte que creio que não perceberam, mesmo.

      Muito obrigado pelos seus links.
      Abç

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  4. Olá

    Pois, por isso é que me questionava sobre o que é realmente a maçonaria?! É que para mim parecem-me uma cambada de gente sem grande valor ético-moral com os seus interesses económico-financeiro acima de tudo. Que se entre-ajudam na obtenção desses interesses e que dão umas festas duvidosas que tentam revestir com uma áurea teatro-mágico-cultural, onde na verdade planeiam o saque alheio enquanto se divertem à grande e "à francesa". Será que esta malta se leva a sério? É que se for para ser "livre pensador", todos o somos, não é preciso de ser maçon para isso.

    Deixo por fim este vídeo. O sr. refere a sociedade dos Makavenkos e refere as orgias. O seu ponto de encontra preferido, a Abadia do Palácio Foz. Este vídeo tem a vantagem de ter uma cara bonita.

    https://www.youtube.com/watch?v=xV1A5yqsIOQ

    Ab

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    1. Caro João,
      no último postal que fiz, deixo uma possível explicação para as razões ancestrais que definiram uma oposição de filosofias, desde tempos ancestrais, e que ultimamente redundaram no domínio de um poder comercial e financeiro, de certa forma representados pela maçonaria e judiaria.
      Ou seja, apesar do povo ser o inimigo principal das elites instituídas, houve (pelo menos) duas formas de atacar o problema.
      Uma, menos sofisticada, definia sem ilusão quem era elite e quem não era, o que era permitido e o que não era, e de certa forma era mais brutal no método.
      Outra, mais sofisticada, cria uma certa ilusão de esperança, falando em igualdade de oportunidades, mas basicamente enredando tudo num jogo viciado ab initio.
      A primeira tem origem nas antigas monarquias sumérias, e de certa maneira foi continuada em Roma como uma longa monarquia nos tempos. A segunda será tipicamente representada pelo poder comercial que chegaram a ter os Fenícios e Cartago. Um poder comercial que se manifestava na capacidade de condicionar os outros poderes à presença ou não dos seus produtos... um simples bloqueio comercial é uma técnica tão brutal quanto um cerco militar (veja-se o caso de Cuba ou Venezuela).

      Abç

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