quarta-feira, 29 de novembro de 2017

do Sótão (3) «Abreojos de Ortélio»

Continuamos com outro texto, que ficou como rascunho em 22 de Julho de 2011, ou seja, no dia seguinte à publicação do texto «O cozinheiro e o sanduíche», e portanto só se entende melhor, lendo-o primeiro.
Aliás, «o cozinheiro e o sanduíche» é um dos textos que mais marcou este blog, e por isso na resposta ao único comentário que teve, refiro: 
Por isso este post é pouco sobre a descoberta da Austrália... - é muito mais sobre as Ilhas Abrolhos!
Ora, a observação neste rascunho era muito mais sobre o detalhe. Num mapa de 1570 apareciam no Pacífico ilhas chamadas "Abreojo", numa localização não longe da Austrália, e portanto o nome existia em ilhas "australianas" (e não apenas no Brasil), antes de serem redescobertas por Houtman, 50 anos mais tarde. O texto tinha vários outros apontamentos de detalhe sobre os mapas de Ortélio, mas como já não era esse o assunto que mais me ocupava, acabei por não lhe dar importância.

_____________________ 22/07/2011 ____________________

Na sequência do texto anterior, sobre o arquipélago Houtman Abrolhos, e analisando o mapa Typus Orbis Terrarum de Ortélio (1570) encontramos um arquipélago Abreojos no Pacífico, conforme assinalamos:
não está junto à Australia, porque ela não aparece. Como os restantes mapas da época, assinalam uma Nova Guiné mal definida, um grande continente Austral - que neste caso Ortelius associa a Magalhães, pelo lado ocidental do mapa, e a Marco Polo pelo lado oriental, onde aparece Java Minor.

Merece alguma atenção todo o retrato asiático, especialmente a parte da Ásia setentrional, onde identifica já uma Nova Zemla (não como ilha), e a parte junto ao Cáspio, aqui chamado Bachu.

Após os Urais, há alguns nomes de cidades desconhecidos, como Wiliki, Marmorea, Obea, Calami, Cossin, Naiman, Turfon, Taingim, Mongul, e até Cattigara, entre outras.
Haveria bastante a dizer sobre vários casos, mas resumimos a Naiman - tida como tribo mongol, a Turfon com fonética de turfa, a Taingim que se confunde com Tianjin, enquanto é feita uma distinção entre China, Cathaio e Mongol. Ou seja, Cathaio aparece numa zona a norte da China, ou coreana, onde coloca ainda Cattigara, tida como cidade ao sul. 
O mapa parece impreciso para algumas dúvidas legítimas, mas é razoavelmente correcto a colocar os cursos de água, nomeadamente o Rio Obi - que é bem identificado.
Fica ainda evidente uma extensão apreciável do Mar Cáspio (que se uniria ao Mar Aral), que não estaria longe de Samarcanda, na rota da Seda, e capital do império de Tamerlão. A zona do Turquistão ou Corasan (Khorasan) era o coração das relações entre Oriente e Ocidente, que da China e India passavam à Pérsia. Aqui o Cáspio já está reduzido a uma dimensão mais pequena, mas os cursos de água permitem ver como um aumento do nível do mar permitiria ligar o Cáspio ao mar setentrional. Ainda hoje, o registo de povoações importantes permite prever a extensão desse mar antigo.
Vemos ainda que no Mar Negro a foz do Danúbio está bastante recuada, podendo suspeitar-se que o Bucur na lenda de Bucareste fosse mesmo pescador. Conforme já assinalámos, apesar de Bucareste ter resistido até Constantino, a língua latina prevaleceu... com algumas diferenças - Mare não significa Mar, mas sim "principal". Política draconiana para evitar confusões de toponímia com um mar que se ia reduzindo... 
Relativamente a este mapa, acrescentamos apenas que Ortelius coloca Troia onde Schliemann a vai procurar depois.

Portugal, por Ortélio
Falando em Troia, Ortélio tem um mapa particular de Portugal, que aqui mostramos a parte da província de Antre-Tejo e Guadiana (uma designação mesopotâmica tal como Entre-Douro-e-Minho).
O rio Sado era chamado Rio Palma, ligando assim a uma Palmela (que não está representada), podemos ver que Melides, em vez de lagoa teria uma grande entrada marítima pelo "Lago de pera", onde do outro lado de Sines apareciam várias ilhas do Pessegueiro, e não apenas um ilhéu. Há vários detalhes, mas nota-se também aqui o avanço actual da linha costeira.

Esse avanço costeiro aparece aqui como mais evidente na zona da Estremadura, especialmente na foz do Mondego.
O mapa pode prestar-se a algumas confusões, pois o recúo marítimo parece estar aqui exagerado, talvez por erro no traço. 
Não deixa de ser interessante aparecer uma "Nova Lisboa" junto a Peniche e Atouguia, e uma "Anilu" na zona de Torres Vedras(?).... as interpretações estrangeiras levam a algumas estranhas trocas, e vemos aqui a Ericeira enquanto "Ciriceira".

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segunda-feira, 27 de novembro de 2017

do Sótão (2) «Main Facts (3)»

Continuando a retirar as coisas do sótão, em 28 de Junho de 2011, outro texto sem publicação.
Seria o 3º texto em inglês em que compilava diversos aspectos reunidos em "10 Main Facts"...
Depois, simplesmente desisti dessa ideia.

Entre Maio e Julho de 2011 foram aqui publicados 54 textos, e portanto digamos que não faltou sobre o que escrever, à média de quase um texto por dia... algo bastante extenuante por si só. O problema principal é que os temas surgiam encadeados uns nos outros. Ao procurar algo sobre um assunto, surgiam pistas para outro, ou para vários... e o processo parecia não ter fim!
Ora, se isso dava cada vez mais confiança, não tinha nenhum correspondente prático. Era inútil estar a convencer quem já estava convencido, e a ideia de escrever em inglês, procurando leitores de outras nacionalidades, também simplesmente nunca redundou em nada. 

Que sentido fazia reunir 10, 100 ou 1000 factos significativos para ponderação, se os leitores mantinham essencialmente as ideias com que aqui chegavam? 
Porque, todo o material esteve, ao longo de vários anos, disponível a centenas ou até milhares de leitores, mas nunca saiu daqui... Nem serviu de discussão noutros fóruns, onde o levei, nem mereceu mais do que um ou dois links. Ou se saiu, foi como curiosidade rápida, e os leitores regressaram ao ponto de partida, de onde, com efeito, nunca tinham saído, nem nunca quiseram sair. A minha curta passagem pelo facebook, apenas serviu para reforçar essa convicção, de absoluta inutilidade.

Portanto, se tinha desistido da ideia de outra divulgação, logo no início, fiquei completamente convencido que mesmo esta divulgação aqui não serviria para nada, exceptuando o reconforto pessoal de que não seria por minha responsabilidade que as coisas se mantinham oclusas, sem a devida discussão. Ainda é essa a perspectiva que mantenho! 
Até porque, no final de contas, a reflexão pessoal a que fui motivado, acabou por me mostrar frutos exóticos, que nem pensei existirem, quanto mais serem possíveis de alcançar! De tal forma, que agora caberá à opinião alheia fazer o percurso de onde saí há muito... ou então, manter-se perdida, e querer fazer perder os outros nos múltiplos becos, de onde não sairá. Adiante, segue o texto:

___________________ 28/06/2011 ___________________


--------- PART 3 --------


It has been a while since I planned to write this third part... in fact I should have changed the title from "10 main facts" to "100 main facts" and counting...

To the sixth item in the list I considered the following choices:

6.1) Internal Earth - a hot Mantle that contradicts thermodynamics
--- How does the mantle maintains its temperature of more than 2000ºC for millions of years, like if there was a void contact with the crust?
--- Since when? Well, since millions of years were needed to justify the Evolution Theory.

6.2) Alladin story
Egyptian lamps burned without consumption of any material, as Raphael Bluteau stated in the 18th century? 
How does this relate to the Bagdad battery
And how does this relate to the Swiss city of Lucerne? 
Through the Giant human bones sent to Platter in 1577? 
... or through the Anchors and Ships found in Swiss mines in 1460?
Through the Antikythera mechanism or through the records of steam boats in Barcelona in 1543?
Through our Genie being kept hidden in the Lamp?... which is also called Lucerne!

6.3) Climate changes
This not seem a novelty, but: 
- Was in Roman times, the Artic Circle positioned around 80º and not at 67º? When did it start to freeze, such that the Roman soldiers stop wearing battle skirts?


- With a higher level of the sea, a different landscape that would justify ancient lands, and the voyage of Jason?
Well, in ancient times, almost everyone considered the Caspian to be a Sea not a Lake, with a connection to the Ocean in the North... this was a main natural boundary between Asia and Europe. Did this Sea connection basically disapeared at the time the Huns menaced Rome?
You know, if it was called Sea... that meant to be a Sea, not a lake!

The evidences of an higher Sea Level are everywhere... an example at Thermopylae:
Europe was an island...

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Neste caso, o texto parecia ainda seguir para um ponto «7. Australia and the Dieppe Maps», mas não concluí nada desse resumo, e o texto manteve-se em rascunho, como o apresento agora.

sábado, 25 de novembro de 2017

do Sótão (1) «António Galvão»

Particularidade de quem tem espaço, é que não gere bem o lixo. Por razão disso, sempre me custou mandar coisas fora, era mais fácil mandá-las para um dos quartos do sótão... com aquela ideia de que "mais tarde poderiam ser úteis". É assim que se junta uma quantidade imensa de lixo, ou mais simpaticamente... de "velharias".

Vou tirar deste sótão um rascunho de 30/07/2010... portanto com mais de sete anos. 
Versava sobre António Galvão, e não deixei de fazer vários textos sobre ele (o primeiro dos quais, uns 4 meses mais tarde). Sempre foi uma presença habitual aqui, porque é um dos personagens históricos mais interessantes, e mais esquecidos, da época dos descobrimentos. 
No início de 2016, fiz mesmo uma transcrição da primeira parte da sua obra sobre os "descobrimentos", e que foi obra de referência para os ingleses.


____________________ 30/07/2010 ___________________

É complicado falar desse herói português, que foi António Galvão, capitão de Maluco (Molucas)... e que defendeu a fortaleza com 130 homens contra um ataque simultâneo e coordenado de todos os reis locais. Francisco de Sousa Tavares, no prólogo que faz do seu livro, dedicado ao Duque de Aveiro, após a morte de António Galvão, em 1557, exclama assim:
"Oh! Grande fraqueza da nossa natureza humana, que vindo ele a Portugal, com grande confiança, pelo que tinha feito havia de ser mais favorecido, e honrado, que se trouxera cem mil cruzados, se achou muito enganado, porque nele não achou outro favor, ou honra, senão o dos pobres miseráveis, quero dizer o do Hospital: onde o tiveram 17 anos, até que nele morreu (...)"
Fica claro que Sousa Tavares relata já o ambiente cortesão que beneficiava dos prodígios de indivíduos como Galvão, que incautos na sua honestidade, eram vítimas fáceis dos ardis. O isolamento e internamento hospitalar, de que eram alvo estes elementos incómodos, talvez tenha levado à designação "maluco", com um outro significado para este Capitão de Maluco.
Sousa Tavares continua mais à frente, de forma surpreendente:
"Não querendo tomar por remédio o que tomava aquele Grão Turco Zizimo, filho do Grão Mahamede, que tomou Constantinopla, e morreu em Roma, que se embebedava por se não alembrar do grande Estado que perdera. Nem o que muitos dos seus amigos lhe davam, dizendo, que se pusesse fora do Reino, que doutra maneira não teria vida? Ao qual respondia, que nesta parte mais queria ser comparado ao grande Timócles Ateniense, que ao excelente Romano Curiolano. O que é um grande exemplo de lealdade Portugueza, posto que não sei como o diga: porque também o é, que dos leais estão cheios os Hospitais."
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O texto seria suposto continuar com uma referência aos três personagens invocados:
(i) - o turco Zizimo, (ii) - o ateniense Temístocles, (iii) e o romano Coroliano.
... e os links para a Wikipedia permitem compreender a história de cada uma dessas figuras.

Interessava que, segundo Sousa Tavares, Galvão evitou entrar num processo de degradação alcoólica, como acontecera com Zízimo, um sucessor do sultão Mehmet II, que conquistara Constantinopla.
Zizimo perdeu a guerra de sucessão, e foi forçado ao exílio em Roma, sendo acolhido como refugiado pelos cavaleiros hospitalários.
Galvão também não seria homem de se exilar, e trair o país ao serviço de um potência inimiga, como teria feito o romano Coroliano, que se exilou junto aos volscos, e depois comandou essas forças contra Roma. Ao contrário, conclui que, tal como Temístocles, Galvão preferiria morrer, a trair a pátria portugesa, revelando segredos ou participando nalguma empresa militar. Ao contrário de Fernão de Magalhães, e outros, Galvão não se foi oferecer a outros reinos, para obter o reconhecimento que lhe era devido. Aceitou estoicamente o seu fado...

sábado, 11 de novembro de 2017

dos Comentários (31) ... se bastião e tal e anos

Dois comentários recentes, relacionam D. Sebastião e italianos.
O título joga com a homofonia de "... e tal, e anos", ainda que prefira "... e tal ia" como referência a Itália.
A questão de Sebastião ser bastião, pois também entronca aqui.

(i) Começamos com a observação no comentário sobre a Vista de Alcântara, que pode surpreender com a presença de italianos na Batalha de Alcântara de 1580, batalha que decidiu a derrota de D. António, Prior do Crato, e a vitória do Duque de Alba, com a consequente posterior coroação de Filipe II como rei português.
Na figura seguinte vemos o mapa aumentado, sublinhando as referências a Portugueses, Italianos e Tudescos, estando ainda referidos espanhóis:

Ora, conforme referi na resposta a esse comentário, também Italianos e Tudescos estiveram inseridos em terços do exército de D. Sebastião, na Batalha de Alcácer Quibir, dois anos antes, em 1578 (ver aqui). Isto não deixa de ser curioso, já que se a um tempo estavam dispostos a lutar pelos portugueses, dois anos passados, as mesmas nacionalidades estavam a lutar contra os portugueses... ou pelo menos, visando a submissão portuguesa a rei externo.

(ii) Seguimos para o segundo comentário, de Gualdim, sobre um projecto de Cenotáfio para D. Sebastião, executado em 1578 por Mario Cartaro, que foi gravador e cartógrafo italiano.

Na inscrição refere-se que o cenotáfio teria como destino a Basílica Farnesiana da Sociedade de Jesus, em Roma. Convirá lembrar que D. Sebastião terá sido um dos primeiros príncipes a receber formação jesuíta.
O cenotáfio, que não é um sepúlcro, é somente um monumento de lembrança a alguém que está sepultado noutro local, é especialmente interessante por conter 3 pelicanos, um símbolo associado a D. João II. O epíteto "farnesiano" refere-se certamente aos Farnese, uma família nobre italiana, que teve Paulo III eleito como Papa.

Acontece que Rainúncio, Duque de Parma, pelo lado paterno, era trisneto do papa Paulo III, e pelo lado materno, era neto do Infante Duarte, filho de D. Manuel.
um pretendente à sucessão de D. Sebastião

Rainúncio Farnese, não era apenas um candidato ao trono português, foi considerado o pretendente mais legítimo de acordo com as regras de sucessão, na morte do seu tio-avô, o Cardeal D. Henrique. Seria visto como mais legítimo do que a sua tia, Catarina de Bragança, já que esta seria irmã mais nova da sua mãe. O problema é que o pai tinha sido súbdito do rei espanhol, o que tornou a sua pretensão muito frágil.
De qualquer forma, podemos assim a estar a ver uma movimentação antecipada de Rainúncio Farnese, para se posicionar numa eventual sucessão, ao encomendar um cenotáfio a D. Sebastião.

domingo, 5 de novembro de 2017

Quando a constituição espanhola se sobrepõe à portuguesa...

A constituição espanhola sobrepõe-se à portuguesa, quando órgãos políticos portugueses, começando pela Presidência da República, ou pelo Governo, por via do inqualificável ministro socretino, Augusto Santos Silva, abordam o problema catalão como um problema interno de Espanha... e nesse sentido cumprem o nº1 do Artigo 7º da Constituição Portuguesa - que proclama a "não ingerência nos assuntos internos de outros Estados", mas aparatosamente esquecem o seu nº 3 que diz explicitamente algo incómodo:

"Portugal reconhece o direito dos povos à autodeterminação e independência e ao desenvolvimento, bem como o direito à insurreição contra todas as formas de opressão."

Esta pequena observação foi feita pelo Bloco de Esquerda, para fazer notar que essa deveria ser a posição do Estado português. 
Algo verdadeiramente curioso, já que os órgãos portugueses se preocupam mais com o respeito das leis espanholas, do que com o respeito das leis portuguesas, que assim exigem, através da Constituição, ao direito dos catalães à autodeterminação e independência. Tanto mais grave é, quando são o Presidente da República e o Governo, os porta-vozes descarados de uma lei fundamental que legitima o seu poder, mas que fizeram gala descarada de não cumprir, apenas para aparecer na fotografia em boas relações com "nuestros hermanos".

Tanto pior, quando o estado espanhol, invocando uma lei anti-secessão, toma em vias de facto, penas de prisão pesadíssimas para os infractores, que ameaçaram a sua unidade territorial. Basicamente estão acusados de crimes muito menores do que estariam D. João IV e os restantes conjurados, quando se quiseram ver livres de uma lei que os obrigava a combater na Guerra dos Trinta Anos.

Protesto para a libertação dos presos políticos catalães. (img)

Na politiquice do facto consumado, e carneirismo aceitante, Carles Puigdemont aparece como um fugitivo da justiça, e sem comandar um exército capaz de se opor à força do estado espanhol, até poderá ser ridicularizado como uma figura impotente, mas nenhum dos seus críticos perspicazes teve uma ameaça real de 30 anos de prisão... meramente por executar o resultado de escrutínios eleitorais.

Tratam-se obviamente de presos políticos, e a Espanha, que só tolerou a independência portuguesa pela resistência das armas, continua presa no seu autismo despótico, num percurso de intolerância, que sempre caracterizou a sua história. Só os ignorantes podem afirmar que a Catalunha não tem um percurso histórico com diversas insurreições contra Castela. Esta é apenas mais uma, e não é muito diferente do que foi feito pelos independentistas em 2014, sem as consequências que Madrid quer agora tornar exemplo... como se obrigar alguém a ser espanhol à força, fosse algo "democrático".

Será tão "democrático", quanto foi a China inserir o Tibete como sua província... mas também toda a gente já se esqueceu de que Lassa reclamou a independência, e muitos foram os governos ocidentais que apoiaram essa vontade... até que as relações económicas crescentes com a China desaconselharam a insistência ocidental nessa autodeterminação, e o assunto é hoje em dia esquecido, para benefício das contas comerciais. O problema foi exorcizado para debaixo do tapete, dando ao Dalai Lama um exílio dourado em paragens americanas.

Revolta de 1959 em Lassa (Tibete) contra o poder chinês, efectivo desde 1950 (img)

Puigdemont não será um Dalai Lama, e mais facilmente se procurará fazer dele uma figura risível, para gáudio da espanholada, inclusive da muita espanholada que passa por ser portuguesa. No entanto, mesmo que a Espanha consiga os seus intentos de esmagar a independência catalã pela força, ou pelo ardil de condicionar próximas eleições, não resolverá nenhum problema, e apenas adiará a resolução duma vontade, que voltará a não ser esquecida pelas gerações vindouras... por muito que a Espanha procure reprimir, ou até invadir a Catalunha com residentes de outra províncias.

A escolha de Bruxelas, para fuga de Puigdemont, não terás sido apenas por se tratar da capital da UE, ou de haver uma vontade secessionista entre flamengos e valões. A Flandres belga conheceu durante séculos o domínio de rei espanhol, e só em 1714, no mesmo ano em que caiu Barcelona para Filipe V, é que a Flandres se livrou de um domínio real hereditário, com capital em Madrid. 
Portanto, é simbolicamente um apelo a um país que poderia também estar ainda sob domínio espanhol, mas em que as circunstâncias geográficas, permitiram depois um desfecho bem diferente, que não foi conseguido pelos catalães.

Passada uma semana, em que estive fora do país, foi sem surpresa que vi Portugal de novo ignorando os seus problemas estruturais (como os incêndios) e entretido em pequenos nadas, que tanto consomem os grandes nadas, que ocupam o vazio nacional.